Baptismo do Senhor
Leituras do dia: Is 42,1-4.6-7; Actos 10,34-38; Lc 3,15-16.21-22
Caros irmãos e irmãs!
A liturgia deste domingo propõe-nos a celebração da festa do baptismo do Senhor, e o tema das leituras centra-se em volta deste evento.
Na primeira leitura, Deus, através da boca do profeta Isaías, promete enviar o seu servo ao povo exilado «para que leve a justiça às nações» (Is 42,1). É importante notar o modus operandi deste servo de Deus: «Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça» (Is 42,2-3). Quer dizer, o servo de Deus não se vai impor pela força, ou pela violência, ou pelas influências; mas atuará com humildade e mansidão, no total respeito da liberdade e da dignidade humanas.
A palavra «justiça» condimenta as leituras deste domingo. Apesar de não aparecer no evangelho, vem repetida quatro vezes na primeira leitura e uma vez na segunda, razão pela qual considerámo-la como chave de leitura para compreender a liturgia deste domingo.
Só para lembrar, na primeira leitura estamos no contexto do exílio da Babilónia. A razão que levou o povo eleito a ser exilado foi a sua rebeldia e desobediência face às leis e os preceitos do Senhor. Desacatou as instruções divinas transformando-as em impiedade. Deste modo, o povo da aliança que deveria ser exemplar face a outros povos, tornou-se mais perverso que os próprios pagãos (cf. Ez 5,6).
Os crimes cometidos pelo povo, conforme a veemente denúncia do profeta Ezequiel, incluem a profanação do nome do Senhor, o derramamento de sangue, a perversão sexual, a espoliação e opressão dos mais pobres e vulneráveis da sociedade, entre outros (cf. Ez 22,1-12). É uma sociedade perversa e desnorteada que carece de justiça. O servo prometido pelo Senhor vem restaurar esta sociedade enferma, purificar a humanidade e restabelecer a comunhão com Deus e entre os homens. Será o início de uma nova era.
O evangelho apresenta-se como o cumprimento desta promessa. O servo de que fala a primeira leitura revela-se na pessoa de Jesus, o Deus encarnado, que veio ao mundo. Apesar de que «o povo estava na expectativa» do Messias (Lc 3,15), foi difícil reconhecê-lo na pessoa do menino que nascera em Belém, pobre e frágil. Pois, a ideia mais comum que os judeus tinham era de um Messias super-homem, que iria vingar-se do regime opressor e repor de uma vez por todas a ordem social e político-administrativa. Exemplo dessa figura messiânica é apresentado no «Livro das Parábolas»: uma figura celeste, superior a todas as criaturas angélicas, uma figura misteriosa, criada por Deus antes do tempo.
Ao fazer-se baptizar nas águas do Jordão, Jesus coloca-se ao lado do povo pecador e afirma a sua solidariedade com todos os homens e mulheres oprimidos pelo pecado. O baptismo tem as suas raízes nos ritos de purificação judaica. Descobertas arqueológicas revelam a presença de piscinas em ambientes religiosos (como por exemplo na comunidade de Qumran) e no interior de algumas casas particulares na Palestina. A sua dimensão e disposição dá a entender que tais piscinas serviam para banhos rituais de purificação antes dos momentos de oração ou então sempre que alguém se encontrasse num estado de impureza. É este rito que é adoptado por João no rio Jordão para introduzir a era messiânica onde todos devem entrar purificados.
O baptismo de João marca o início da era do Reino de Deus trazido por Jesus. Perante o baptismo de Jesus os céus se abrem, e se restabelece a comunicação entre o mundo humano e o divino. É o próprio Deus que Desce ao encontro do homem e restaura a comunhão que tinha sido descontinuada por causa do pecado. No baptismo somos instituídos cidadãos do reino inaugurado por Jesus; peregrinos da esperança, somos participamos na sua missão redentora.
Deste modo, em Jesus nos tornamos o «servo» enviado por Deus de que a primeira leitura faz alusão. Ungidos por Deus, somos chamados a libertar o mundo das suas diferentes formas de opressão, para restabelecer a justiça que cada homem e mulher anseiam, sem distinção. Como diz Pedro na segunda leitura, «Deus não faz acepção de pessoas» (Actos 10,34). Estas palavras interpelam a todos nós que vivemos hoje numa sociedade fragmentada e estratificada, sociedade onde os muros físicos e ideológicos se entrelaçam na categorização dos humanos, onde os pobres são comprados por dinheiro e os necessitados por um par de sandálias (Am 8,6).
Como «peregrinos da esperança», neste ano jubilar, somos convidados, caríssimos irmãos e irmãs, a maximizar o nosso esforço «todos nós, juntos e de modo pessoal, a quebrar as correntes da injustiça para proclamar a justiça de Deus», (Papa Francisco, Mensagem para o 58º Dia Mundial da Paz, § 4).