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Segundo Domingo do Tempo Comum Ano C

A liturgia da palavra deste Domingo apresenta a imagem do casamento como sinal que exprime de forma privilegiada a relação de amor que Deus (o marido) estabeleceu com o seu Povo (a esposa). A questão fundamental é a revelação do amor de Deus aos homens.

A primeira leitura, retrirada do livro do profeta Isaías 62, 1-5, define o amor de Deus como um amor inquebrável e eterno, que continuamente renova a relação e transforma a esposa, sejam quais forem as suas falhas passadas. Nesse amor, nunca desmentido, reside a alegria de Deus.

A segunda leitura da primeira carta de São Paulo aos Coríntios 12, 4-11, fala dos carismas – dons, através dos quais continua a manifestar-se o amor de Deus. Eles são recebidos de Deus e destinam-se ao bem de todos; por isso, não podem servir para uso exclusivo de alguns, mas têm de ser postos ao serviço de todos com simplicidade.

É essencial que na comunidade cristã se manifeste, apesar da diversidade de membros e de carismas, o amor que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Tal como no tempo de Paulo, muitas vezes os carismas são mal usados. Por um lado, podem conduzir a uma espécie de divinização do indivíduo que os possue colocando-o, com frequência, em confronto com a comunidade; por outro lado, nem todos possuem carismas extraordinários e pode ser fácil, neste contexto, serem considerados “cristãos de segunda”. Depreende-se ainda deste texto que, na comunidade de corinto, havia alguma discussão acerca da importância de cada “carisma” e, portanto, da posição que cada um destes “carismáticos” devia ocupar na hierarquia comunitária. Ora, a comunidade de corinto estava preocupada com esta questão. Estamos diante de uma comunidade com graves problemas de conflitos e de desarmonias onde, facilmente, as experiências “carismáticas” eram sobrevalorizadas em benefício próprio. Criavam, pois, com frequência, individualismo e divisão no seio da comunidade.

Respondendo a este problema, Paulo exorta aos fiéis que não faz qualquer sentido discutir qual é o carisma mais importante. Também não faz sentido que os possuidores de carismas se considerem “iluminados” e se confrontem com o resto da comunidade. Faz ainda menos sentido considerar que há cristãos de primeira e cristãos de segunda. Como cristãos, somos todos membros de um único corpo, com diversidade de funções e de ministérios. A diversidade de dons não pode ser um factor de divisão ou de conflito, mas de riqueza para todos. É o mesmo Deus uno e trino que a todos une; a comunidade cristã tem de ser o espelho dessa família divina e trinitária. Assim também as nossas comunidades paroquiais, as nossas comunidades religiosas devem ser espaços de comunhão e de fraternidade, onde o amor e a solidariedade dos diversos membros reflectem o amor que une o Pai, o Filho e o Espírito. Mas os dons que Deus nos concede são sempre postos ao serviço do bem comum, ou servem para nos auto-promover, para ganharmos prestígio aos olhos dos outros?

O Evangelho de Joao 2, 1-11 apresenta, no contexto de um casamento (cenário da aliança), um sinal que aponta para o essencial do programa de Jesus: apresentar aos homens o Pai que os ama, e que com o seu amor os convoca para a alegria e a festa celestial. Ora, o cenário das bodas é (como vimos na primeira leitura) um quadro onde se reflecte o contexto da aliança entre Israel e o seu Deus. O episódio das bodas de Caná anuncia, portanto, o programa de Jesus: trazer à relação entre Deus e os homens o vinho da alegria, do amor e da festa. Para São João, os milagres são sempre sinais que nos reenviam para além da materialidade dos factos. Será bom olhar com mais atenção esta água mudada em vinho. A água é um elemento vital. Mas é, antes de mais, um elemento ordinário e bruto. O vinho é fruto da vinha, mas também do trabalho do homem, como dizemos na Eucaristia. Jesus manda encher as talhas de água, a água que é símbolo da nossa vida de todos os dias. Jesus toma esta água ordinária para a transformar. Não com uma varinha mágica, mas com a força do Espírito Santo. Por isso este vinho é melhor que o vinho dos homens. Por este sinal, Jesus toma  a nossa vida ordinária, com as nossas alegrias, os nossos amores, as nossas conquistas humanas, importantes mas tantas vezes efémeras, com os nossos tédios, os nossos dias sem gosto e sem cor, os nossos fracassos e mesmo os nossos pecados, também eles ordinários. E aí, Ele “trabalha-nos” pelo seu amor, no segredo, para fazer brotar em nós a vida que tem o sabor do vinho do Reino.