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REFLEXÃO TEOLÓGICA DA NECESSIDADE DE PREPARAR E TRABALHAR JUNTOS

Introdução
Toda a obra ou todo o empreendimento precisa de uma preparação e quanto maior for a envergadura do empreendimento, mais preparação é requerida. A nossa obra chama-se gestão e redução de riscos para podermos construir juntos comunidades resilientes na África. Felizmente vivemos numa época caracterizada por grande avanço científico e alto nível de desenvolvimento tecnológico que permitem prever o que vai acontecer ou o aproximar de um desastre natural, facto pode ajudar a definir o tipo de preparação para fazer face o tal risco e se possível preveni-lo. Sabido que é que, prevenir vale mais que remediar.

A Igreja é familia de Deus e a que está em África definiu-se formalmente na Assembleia Especial do Sínodo para África em 1994, como ‘Igreja Família‘1994, pois no n. 63 da Ecclesia in Africa João Paulo II afirma o seguinte: «O Sínodo não se limitou a falar da inculturação, mas aplicou-a concretamente também, assumindo como ideia-chave para a evangelização da África, a noção de Igreja como Família de Deus. Nela reconheceram os Padres Sinodais uma expressão da natureza da Igreja, particularmente apropriada para a África. Com efeito, a imagem acentua a atenção pelo outro, a solidariedade, as calorosas relações de acolhimento, de diálogo e de mútua confiança». Certamente a formalização tenha sido encorajada pelos ventos do Concílio vaticano II que afirmou, na Lumen Gentium, que «Assim a Igreja toda aparece como «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo», uma expressão inspirada em S. Cipriano na sua obra De oratione dominica.

É o conceito-chave no Documento de Kampala. Pois para este importante documento da Igreja que está em África, «A Igreja-Família de Deus, formada por todos os Povos de diversas origens culturais, através da aceitação da Palavra pregada pelos Apóstolos, não é outra coisa senão a Igreja propriamente Apostólica». É típico de boa familia preparar-se para enfrentar os problemas e viver os momentos alegres juntos. Daí a necessade de preparar e trabalhar juntos na gestão e redução dos riscos. Caso para felicitar os organizadores deste evento formativo pelo feliz tema.
Haverá algum fundamento teológico para isso? É o propósito desta pequena reflexão.

  1. As Sagradas Escrituras dizem algo a respeito?: O fundamento da vida dos que creem em Cristo, que morreu e ressuscitou pelo bem da humindade, vurgarmente chamados cristãos, é a Biblia Sagrada. É este livro sagrado no qual se fundamenta a doutrina cristã, no qual se nutre a nossa fé. Urge buscar nele uma orientação em relação a necessidade de preparar e trabalhar juntos. No que tange a necessidade de preparar e estar preparados a Sagrada Escritura tem sim algo a dizer, pois nela Jesus diz estai preparados (Lc 12,40) e para qualquer empreendimento precisa preparar como alguém que para construir uma torre precisa sentar e calcular se é capaz de concluir (Lc 14,28). O próprio Jesus para começar a sua vida pública passou 40 dias e 40 noites em preparação no deserto (Lc 3,23) e para escolher os seus díscípulos constituindo-os em Colégio apostólico passou a noite a rezar (Lc 6,12-16), é muita preparação. Em relação à necessidade de trabalhar juntos, a criação é obra conjunta da Trindade, pois encontramos, no acto da criação do homem ou ser humano, o verbo no verbo no plural ‘façamos’. Com a escolha dos 12 Jesus dá uma indicação clara que ele não queria trabalhar sozinho e o envio dos 72 discípulos dois a dois (Lc 10,1-9) revela que Jesus não quer que os seus colaboradores e continuadores da sua missão trabalhem isoladamente, num espírito individualista mas, juntos apoiando-se uns aos outros. Os apóstolos foram preparados e enviados juntos. A reforçar o que estamos a sustentar encontramos esta afirmação de Joseph Ratzinger (2000), mais tarde Papa Bento XVI, na sua obra intitulada Il Cammino Pasquale que «na história da vocação de S. Pedro , em Lc 5,10 lemos que Tiago e João, os filhos de Zebedeu, eram koinonoi de Simão, isto é, sócios,ou companheiros na pesca . Noutras palavras: os três constituem uma ‘cooperativa’, são proprietários de uma pequena empresa, da qual Simão era chefe» .
    A solução da polémica da obrigatoriedade ou não da circuncisão dos que abraçavam a fé foi obra conjunta, o conhecido como Concilio de Jerusalém (Act 15).
  2. Magistério: Na Laudato Sí encontramos estas palavras comoventes do Papa Francisco «Como disseram os bispos da África do Sul, ‘são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus’. Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades». A defesa de união de esforços nestas palavras é mais que clara. A terceira e última parte do documento de Kampala Convertei-vos e trabalhai pela transformação do mundo (Cf. Mc 1,15), é um convite à conversão e transformação do mundo. Para tal, propõe e promove uma pastoral que visa a Conversão e Transformação do Mundo: “A nova África desejada é aquela onde os baptizados, conscientes da sua identidade e vocação, estão intimamente ligados à Pessoa de Jesus Cristo, tornam-se fermento do Reino que a Igreja recebe e esconde na massa da sociedade africana (cf. Mt 13,33). Renovados pelo Espírito Santo no amor do Pai, eles serão para a África “o sal da terra” e “a luz do mundo” (cf. Mt 5, 13,14) ”(DK 133). Nestas palavras a necessidade de preparar e trabalhar para o futuro da África andam entrelaçadas.
  3. Fundamento teológico: A Trindade Santíssima é fonte e referência do nosso existir. Viemos da Trindade e para ela caminhamos. Não temos outra base da nossa vida cristã senão a Trindade Santíssima. Jesus, na sua oração, pediu ‘que sejam um como nós somos um’ (Jo 17,21) para que o mundo possa crer, desejo que, na Igreja, teve como factor galvanizador o Concílio Vaticano II e o Código de Direto Canónico de 1983 que encorajam a união de esforços na difusão da Boa Nova e luta contra o maligno. Na mesma senda, o Papa Francisco convocou o Sínodo sobre a Sinodalidade com o tema Por uma Igreja sinodal: Comunhão, Participação e missão e convidou a todos a embarcar nessa caminhada e a participar no processo de preparação do Sínodo sobre a Sinodalidade.
    O ‘ser um’ na Trindade não é so no ser mas também no operar. A Santidade Imanente está envolvida no acto da criação e a Trindade económica está igualmente envolvida na obra da redenção. Deste facto a necessidadde de nós suas criaturas elevadas à categoria de filhos de Deus sermos também ‘um’ no ser e o operar, trabalhando juntos tendo como referência a Santíssima Trindade onde não há confusão nem superposição de papeis, pois as três pessoas divinas entrepenetram-se num relacionamento harmonioso. É típico de uma boa família que todos os membros estejam envolvidos nos acontecimentos que dizem respeito à familia, cada membro de acordo com o seu lugar na família.
  4. Substracto Sócio-cultural: Há um slogan popular que diz ‘a união faz a força’. A sociedade também vai instituindo organismos de união, suprimindo vistos de entrada, até chegando a cunhar moedas regionais e assim por diante, para não falar do grande fenónmeno da globalização que está tornando o mundo numa aldeia apoiado pelas grandes invenções, no âmbito da comunicação que removem barreiras físicas e estabelecem conexões, sem esquecer o desafio que colocam à comunicação inter-pessoal, que é insubstituível. A sabedoria africana ensina que a união do rebanho obriga o leão a dormir com fome. O leão é sempre uma preocupação e ameça para os outros animais. O leão para a nossa sociedade sãos os vários desafios e problemas que constituem uma ameça à vida. Assim como a união do rebanho força o leão a dormir com fome, o nosso preparar e trabalhar juntos pode fazer face os vários desafios. Um problema enfrentando só uma pessoa ainda que seja pequeno torna-se muito pesado, mas um problema ainda que seja grande, enfrentado por muitos, torna-se leve. Aliás, a união das formigas ainda que muito pequenas mata um elefante. Trabalhando em sinergia podemos vencer os problemas com que a nossa África se debate e porque não os problemas da sociedade em geral.

A experiência da Covid-19
A pandemia da Covid-19 revelou a necessidade de estarmos preparados e preparar recursos humanos e materiais, pois muitas nações forma apanhadas em contra pé e perderam-se muitas vidas que poderiam ser salvas. Durante o período da pandemia da Covid-19 a humanidade viveu e com muita intensidade a experiência trabalhar em sinergia adoptando as mesmas medidas para mitigar a propagação do virus muito mortífero. Partilhou o sentimento comum da ansiedade em contrair o virus, a cosciência da fragilidade como também experimentou o desafio do distancimanto e isolamento contra a natureza social do homem. Por outro lado partilhou o sentimento da necessidade de se proteger protegendo os outros. Quem não colaborasse constituiria uma grande ameaça à familia humana.

Conclusão
Concluiria com as palavras de Jesus que exorta a estarmos com os rins cingidos e as lâmpadas acesas porque assim nunca seremos surpreendidos. E nesta postura temos de estar unidos evitando toda a tentação do individualismo e egoismo, pois a sabedoria africana ensina que: «Se queres ir rápido, vá sozinho. Se queres ir longe, vá acompanhado». É não penso que entre nós haja quem não quer ir longe. Na perspectiva eclesial, trabalhar juntos é o que se chama sinodalidade que na visão do Papa Francisco, expressa no seu Discurso na Comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos a 17 de outubro de 2015, «O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio», o qual precisa de uma profunda preparação daí a razão do longo processo sinodal para o Sínodo sobre a Sinodalidade .

Referência bibliográfica

  • CONCÍLIO VATICANO II, Constituição dogmática Lumen Gentium.
  • Discurso do Santo Padre FRANCISCO, Aula Paulo VI, Sábado, 17 de Outubro de 2015.
  • FRANCISCO (2015), Carta Encílcica Laudato Si.
  • JOÃO PAULO II (1995), Exort. Apost pós-sinodal Ecclesia in Africa.
  • RATINGER J., Il cammino pasquale, Ancora, Milano 2000.
  • SCEAM (2019), ‘Que Conheçam Cristo para que tenham vida em abundância’ (Jo 17,3; 10,10), Documento de Kampala, Secretariado do SCEAM, Accra.