Joy of the Gospel

‘Alegrem-se o deserto e o descampado, rejubile e floresça a terra árida (…), exulte com brados de alegria’ (Is 35, 1-6a.10)

º Domingo do Advento – Ano A

A Igreja celebra hoje o III Domingo do Advento, o chamado Domingo gaudete ou da Alegria. A expressão ‘alegria’ (=Gaudete ou Laetitia) é muito cara ao Papa Francisco; usa-a com frequência para os títulos de Seus escritos pontíficios: Evangelli gaudium, Gaudete et exsultate, Veritatis gaudium, Amoris Laetitia, só para dar alguns exemplos. Segundo o Papa, ‘o grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada’ (cf. Evangelii gaudium, 2).

Além do mundanismo espiritual, a maior ameaça para vida da Igreja é um pragmatismo cinzento que vai deteriorando e degenerando a experiência de fé. Desenvolve-se, diz o Papa Francisco, a psicologia do túmulo que, pouco a pouco, transforma os cristãos em múmias de museu. Estes desiludidos com a realidade, com a Igreja ou consigo mesmos, vivem constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa, um pessimismo estéril, sem esperança que gera escuridão e cansaço interior, corroe o dinamismo apostólico e nos rouba a alegria da evangelização (cf. Evangelii gaudium, 83). Por isso, o Papa admite que haja cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa, pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar (cf. Evangelii gaudium, 6). Em suma, o grande risco do mundo actual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada (cf. Evangelii gaudium, 2) à semelhança dos israelitas exilados da primeira leitura de hoje, desanimados, frustrados e mergulhados no desespero. Urge um anúncio renovado que proporcione aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora (cf. Evangelii gaudium, 11). Por isso, a alegria faz parte do empenho programático proposto pelo Papa Francisco.

Ao convocar a Igreja inteira para a caminhada sinodal, o Papa pretende convidar todos os fiéis cristãos para uma nova etapa evangelizadora marcada pela alegria cristã, indicarndo caminhos para o percurso sinodal da Igreja neste terceiro milénio cristão (cf. Evangelii Gaudium, 1; ler Documento preparatório do Sínodo, 1). A alegria, característica principal dos tempos messiânico e escatológica, é também o distintivo do caminho da sinodalidade: ‘Alegrem-se o deserto e o descampado, rejubile e floresça a terra árida, cubra-se de flores como o narciso, exulte com brados de alegria’ (cf. Is 35, 1-6a.10) e ainda:‘Sede pacientes, vós também, e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima’ (cf. Tg 5, 7-10). Assim, com a convocação do Sínodo sobre a sinodalidade, o Papa Francisco convida todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de o procurar dia a dia sem cessar para participar «da alegria trazida pelo Senhor da qual ninguém é excluído»(cf. Evangelii gaudium, 3).

A primeria e segunda leituras convidam-nos a não deixar que o desespero e a passividade e o tédio nos envolvam enquanto esperamos e aguardarmos com paciência e confiança a vinda do ‘Senhor que faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome e a liberdade aos cativos, ilumina os olhos dos cegos, o Senhor levanta aos abatidos, ama os justos, protege os peregrinos, ampara o órfão e a viúva e entrava o caminho aos pecadores’ (cf. Salmo 145 (146). A proximidade da intevenção libertadora exige do cristão conversão pastoral e é, ao mesmo tempo, motivo de alegria evangelizadora: ‘Dizei aos corações perturbados: «Tende coragem, não temais: Aí está o vosso Deus, vem para fazer justiça e dar a recompensa. Ele próprio vem salvar-nos’ (cf. Is 35, 1-6a.10). Trata-se aqui daquela alegria do Evangelho que enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus (cf. Evangelii gaudium, 1).

Por isso, o profeta Isaías, dirigindo-se ao Messias esperado, saúdo-O com regozijo: «Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo» (9, 2). E anima os habitantes de Sião a recebê-Lo com cânticos: «Exultai de alegria!» (12, 6); o profeta convida a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto monte, arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém» (40, 9), já que a criação inteira participa nesta alegria da salvação: «Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo e se compadece dos desamparados» (49, 13). O convite mais tocante e veemente é o do profeta Sofonias: «O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa» (3, 17).

De facto, a razão da alegria do povo de Israel na primeira leitura é que Deus “aí está para fazer justiça”: Ele vai intervir na história, vai salvar Judá do cativeiro, vai abrir uma estrada no deserto para que o seu Povo possa regressar em triunfo a Sião. Os profetas anunciavam o tempo de Jesus, que estamos a viver, como uma revelação da alegria: «exultai de alegria» (Is 12, 6). «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu Rei vem a ti; Ele é justo e vitorioso» (Zac 9, 9).

Os Evangelhos convidam insistentemente à alegria: «Alegra-te» é a saudação do anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria a Isabel faz com que João salte de alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico, Maria proclama: «O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 47). Maria, depois de descobrir a novidade trazida por Jesus, canta: «o meu espírito se alegra» (Lc 1, 47) e o próprio Jesus, ao começar o seu ministério, «estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo» (Lc 10, 21). Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Por isso, quem com Ele se encontra e por Ele é enviado como discípulo missionário não deve ter constantemente uma cara de funeral, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! Quantos se deixam salvar por Cristo são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento, da psicologia do túmulo. (cf. Evangelii Gaudium, 1, 10). Por isso, normalmente esta alegria cristã é acompanhada pelo sentido do humor, tão saliente, por exemplo, em São Tomás Moro, São Vicente de Paulo, ou São Filipe Néri (cf. Gaudete et exsultate, 126). Não é aquela alegria consumista e individualista muito presente nalgumas experiências culturais de hoje que pode proporcionar prazeres ocasionais e passageiros, mas não alegria (cf. Gaudete et exsultate, 128).

‘Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria (…) e acabarão a dor e os gemidos’ (cf. Is 35, 16a.10). A acção de Deus na história é transformadora e geradora de vida nova em abundância (cf. Jo 10, 10). Por isso, o Evangelho descreve-nos, de forma bem sugestiva, a acção de Jesus, o Messias (esse mesmo que esperamos neste Advento): «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a boa nova é anunciada aos pobres’ (cf. Mt 4,17-11,1). João esperava um Messias que viesse lançar fogo à terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus” (cf. Mt 3,11-12); mas, ao contrário, Jesus aproximou-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estendeu-lhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes a salvação (cf. Mt 8-9). A resposta de Jesus aos discípulos de João, confirma Sua consciência messiânica que não cabe nos esquemas deste mundo (cf. Jo 18, 36). Ele é o Messias, enviado por Deus para libertar os homens e para lhes trazer o “Reino dos céus”. A sua mensagem e os seus gestos contêm uma proposta libertadora que Deus faz aos homens desde o coração da Santíssima Trindade, trepassado pela lança do soldado na cruz.

O Senhor virá para dar vista aos cegos, fazer com que os coxos recuperem o movimento, curar os leprosos, fazer com que os surdos ouçam, ressuscitar os mortos, anunciar aos pobres que o “Reino” da justiça e da paz chegou. É este quadro de vida nova e de esperança que Jesus nos ofereceu pela sua morte e ressurreição. Estes “sinais” realizados por Jesus enquanto esteve entre nós têm de continuar a acontecer na história atráves daqueles que pelo baptismo assumiram a missão de perpetuar no mundo a acção salvadora de Deus que liberta os vivem amarrados ao desespero de uma doença incurável, cura os “surdos”, fechados num mundo sem comunicação e sem diálogo, abre os olhos dos “cegos”, encerrados nas trevas do egoísmo ou da violência, faz andar os “coxos”, fechados no seu individualismo e comodismo, salva os presos, privados da liberdade e come com os “pobres”, marginalizados, os excluídos.

Assim, a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária. Experimentam-na os setenta e dois discípulos, que voltam da missão cheios de alegria (cf. Lc 10, 17). Vive-a Jesus, que exulta de alegria no Espírito Santo e louva o Pai, porque a sua revelação chega aos pobres e aos pequeninos (cf. Evangelii gaudium, 21). Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, quando fechamos a porta do nosso coração aos pobres, quando perdemos a preocupação por anunciar o Evangelho nas periferias existenciais e em novos âmbitos socioculturais, não é possível gozar da doce alegria, qual sinal de que o Evangelho foi anunciado e está a frutificar’ (cf. Evangelii gaudium, 2, 21, 30).

Neste Domingo gaudete, Roguemos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria, a Imaculada, para que, nesta caminhada sinodal, experimentemos a alegria missionária de partilhar a vida plena de Deus, procurando acender o fogo no coração do mundo! Que a Mãe do Evangelho vivente, nos ajude a refulgir com o testemunho da comunhão, do serviço, da fé ardente e generosa, da justiça e do amor aos pobres, para que a alegria do Evangelho chegue até aos confins da terra e que nenhuma periferia fique privada da luz da fé.
Amen