2 AdvA’ 2022
(leia: Isaías 11,1-10; Romanos 15,4-9; Mateus 3,1-12)
O evangelista Mateus (que nos acompanha no ano litúrgico ‘A’) leva-nos hoje a uma experiência do deserto, para aí escutarmos o Baptista. Para o povo de Deus, o deserto evoca um tempo especial: o daquela inesquecível caminhada, do Egipto à Terra Prometida, da escravidão à liberdade, da servidão à dignidade. Caminhada de esperança e de incertezas; de prova e de graça. A Prova, temperada na Graça de Deus, realiza a Purificação, simbolizada no baptismo. Eis por que João, que baptiza no Jordão, é figura importante no nosso caminhar de Advento.
O Jordão foi a última barreira que o povo de Israel transpos para entrar em Canaã, guiado por Josué (‘Ieoshua’, em
hebraico). No Jordão, João Baptista prepara o povo para uma nova travessia, a definitiva, sob a guia de Jesus (‘Ieoshua’, em hebraico): «Está perto o Reino de Deus!». A Graça abundante de Deus está já entre nós! Escondida, sim, mas agindo nos corações dos que O acolhem e se deixam transformar pelo seu Espírito. Que se abrem ao seu sonho.
Isaías, o grande profeta, é outro companheiro nosso de Advento. No seu tempo (sec. VIII a.C.), o reino de Israel vivia
uma grave crise, aparentemente sem esperança de saída. Mas o profeta ‘vê’ para além dessa cortina escura: Deus está
em acção! E sonha: «Um rebento brotará do tronco de Jessé, um renovo despontará de suas raízes» (Is 11: da 1ª leitura). Como o tronco duma velha árvore, o reino de Israel parecia murchar. Sem fruto, sem futuro. Mas eis que desse tronco caduco irrompe a vida, um broto novo: da família de Jessé, vai nascer David, rei que dará esplendor ao reino. (No futuro, os pobres, buscando esperança em Jesus, chamar-lhe-ão ‘Filho de David’.)
Profetas precisam-se. Profetas-visionários. Que não se deixam bloquear no curto horizonte do imediato. Que são capazes de ‘ver’ para lá da densa sombra do momento. Uma nuvem de medo ensombra o presente da humanidade. Vivemos em tempo de incertezas e inseguranças. Mal saímos da pandemia e já fomos mergulhados numa guerra atroz, sem fim à vista. A outro nível, acirram-se desconfianças e receios diante dos que são ‘diferentes’: os migrantes, os refugiados, os de outra cultura ou religião… Levantam-se cercas, constroem-se muros. A hospitalidade cede passo à hostilidade. Duas questões cruciais exigem resposta de todos nós: Que Mundo queremos construir? Que Humanidade queremos ser?
Isaías aponta-nos na direcção do sonho de Deus, de um mundo de inclusão, onde convivem «o lobo e o cordeiro, o leão e o boi, a criança e a serpente»… o judeu e o árabe, o muçulmano e o cristão, o do sul e o do norte, o de pele escura e o de pele clara… Porque —aos olhos de Deus— todos são apenas filhos, queridos filhos! Porque —com o olhar de Deus— eu posso descobrir em cada ser humano apenas um(a) irmã(o): amada(o) filha(o) de Deus, como eu! Este é o ‘Jordão’ fundamental que a humanidade deve transpor hoje, se quer construir um Mundo com amanhã.
Esta é a ‘água’ de purificação essencial que me faz chegar à outra margem de mim mesmo, para ser parte do Reino novo que Jesus traz para todos. Para aí chegar, conversão precisa-se.
«Convertei-vos! Está perto o Reino de Deus!», conclama o Baptista hoje. Será o mesmo clamor de Jesus, no início da sua pregação (Mc 1,15). Palavras parecidas, mas diferentes em tom e conteúdo. João anuncia um juízo iminente de Deus, que faz tremer os ouvintes. O Mestre não ameaça com o machado ou com o fogo; toca-nos com a ternura e a misericórdia. João Baptista, profeta austero, voz corajosa, «amigo do Esposo», proclamador da conversão, terá ele mesmo de se converter. (Estando na prisão e ouvindo falar das obras de Jesus em favor dos pobres, leprosos, pecadores, prostitutas… mandou perguntar, perplexo: «És tu o que devia vir, ou devemos esperar outro (Messias)?»: Mt 11,3). João deverá converter-se ao jeito de Deus ser que Jesus revela. Não um Deus dominador e pavoroso, mas um Deus de Compaixão, que se abaixa e nos abraça, com nossas fragilidades e misérias.
«Convertei-vos!» (vb grego: metanoô = olhar de outro modo, ver noutra perspectiva). Mais que uma ordem é uma oportunidade oferecida a cada um. Para abrir-se à estupenda notícia: Deus está perto, Deus se faz próximo! Colma distâncias com o Amor; vence asperezas com a Ternura. E então, sim, é possível converter-me, isto é, mudar a minha maneira de ‘olhar’ o mundo e a vida. Aprender a ‘ver’ com os olhos de Deus, a ‘sentir’ com o seu coração. Porque não sou eu que mudo; é a Graça abundante de Deus que me transforma! Basta que eu acolha essa maravilhosa possibilidade. E, do meu velho tronco, brotarão rebentos de vida nova!
Fundamental é aceitar a chamada de João: fazer deserto no meu íntimo, para aí ouvir o sussurro de Deus, o apelo dos irmãos. Essencial é dispor-me a atravessar o Jordão: reavivar meu baptismo (= compromisso de viver minha vida ao estilo de Jesus Cristo). Purificar a minha visão. Maravilhar-me com a notícia: «O Reino de Deus está perto!» Para a vida plenificar. «Não haverá dano nem destruição em todo o meu santo monte, porque o conhecimento do Senhor encherá a terra» (Is 11,9). E o deserto, em nós e em torno a nós, florirá!… (Is 35,1-2).