A liturgia do segundo domingo de Páscoa fala-nos dos frutos da ressurreição: paz, alegria, comunhão e amor. Enquanto Lucas, nos Actos dos Apóstolos, descreve a comunhão, a fraternidade que caracterizava a primeira comunidade dos baptizados, na página do Evangelho, Jesus comunica a sua paz aos discípulos: “A paz esteja convosco!” A ressurreição de Jesus é fonte de alegria, de comunhão fraterna e de paz.
A paz esteja convosco!
O trecho do Evangelho continua com a experiência do primeiro dia da semana. Já não é “de manhã”, mas “na tarde daquele dia”. João, na sua indicação cronológica – o primeiro dia da semana – insiste no facto de que a experiência da aparição de Jesus aos discípulos vem depois da experiência do túmulo vazio que marcou um novo começo, uma nova criação e uma nova era da história. O “primeiro dia” recorda-nos, de forma significativa, a semana da criação, em que Deus realiza o seu primeiro acto criador. Por isso, João apresenta “o primeiro dia” como aquele que abre o novo tempo, que encontra o seu fundamento principal na experiência da ressurreição e nos frutos dessa ressurreição: o amor, a comunhão fraterna e a paz. Este Jesus, Deus salva, Emanuel, Deus connosco, entrou na história humana e colocou-se ao lado dos homens ao ponto de “dar a vida” para derrubar todos os muros de divisão e fazer dos dois povos um só povo nele, para criar ‘paz’, “fraternidade”, à volta daquele que é o Senhor de todos.
Nesse mesmo dia, os apóstolos estavam fechados em casa com medo e Jesus aproximou-se, pôs-se de pé e disse que está sempre à procura de novas formas de chegar até nós e de entrar em contacto com as pessoas, vem à reunião dos discípulos. João sublinha que Jesus não só veio como se pôs de pé, um verbo de ressurreição que só se encontra nos dois últimos capítulos do Evangelho de João. Está de pé quem fez uma viagem, pode parar e regozijar-se com essa paragem: Jesus ressuscitado está de pé, não num sofá egoísta, com todos os confortos, mas no meio dos seus. Estar no meio é muitas vezes identificado como estar no centro das atenções. No meio deles, dirige uma saudação: a sua saudação é “a paz esteja convosco” e repete-a várias vezes na passagem. Os judeus costumavam saudar-se trocando palavras de paz, mas nas passagens das aparições a paz, shalom, é muito mais do que uma saudação. Indica tudo o que contribui para a plenitude, para a felicidade das pessoas e Jesus pode fazer este convite à felicidade porque é ele o responsável por essa felicidade. Jesus dá a paz, que é aquela serenidade de espírito que nos permite compreendermo-nos uns aos outros, iluminar as nossas relações, compreender e ver o sol em vez das sombras, distinguir entre o Senhor e um fantasma, entre o rosto humano de uma pessoa a abraçar e a sombra de um possível inimigo a evitar. Os discípulos foram deixados sozinhos, desanimados com a morte do seu mestre, zangados com o seu projecto humano falhado, mas é precisamente o que falta a esta comunidade de discípulos perturbados que Jesus dá. A paz para a comunidade dos crentes é um dom de Deus através do Ressuscitado. Precisamente o que ainda falta à humanidade de hoje. Jesus mostra as suas mãos trespassadas e o seu lado trespassado, que são o preço da paz que ele deu e também o custo da redenção da humanidade. Tudo sinais do seu amor.
Jesus não se limita a desejar a paz, mas dá-a, como disse na Última Ceia: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”. A sua paz é a totalidade da verdade, da justiça e do amor, fruto da plena comunhão com Deus. Como podemos ver, a paz é um dom de Deus e fruto da ressurreição.
O discípulo missionário, como dizia o saudoso Papa Francisco, é aquele que sabe “passar do deus mundano ao Deus cristão, da cobiça que trazemos dentro de nós à caridade que nos liberta, da expetativa de uma paz trazida pela força ao compromisso de testemunhar concretamente a paz de Jesus”.