Na leitura do Evangelho do primeiro domingo de Páscoa, João narrou o que aconteceu na madrugada do primeiro dia da semana, quando ainda estava escuro, apresentando a ressurreição como princípio e fundamento da fé. Neste segundo domingo, domingo da misericórdia divina, porém, ele faz-nos contemplar o que acontece na tarde desse mesmo dia. É uma das manifestações mais emocionantes de Jesus aos seus discípulos depois da Ressurreição. O Ressuscitado coloca-se e comunica-lhes a paz, como sinal da sua misericórdia. Ele está no centro pois ele é o centro da comunidade cristã: é em torno dele que a comunidade se estrutura e é dele que a comunidade recebe a vida que a anima.
A paz esteja convosco
São João continua a narrar o que aconteceu no primeiro dia da semana. Enquanto no domingo passado parámos “quando ainda era escuro”, neste domingo a narrativa continua “na tarde daquele dia, o primeiro da semana”; de manhã, o túmulo estava vazio e aberto e Jesus não estava lá; à noite, as portas do cenáculo estavam fechadas porque os discípulos, atemorizados, se tinham fechado. De manhã, são Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado que vão ao túmulo; à noite, é o próprio Jesus que vai ao encontro dos discípulos atemorizados e fechados. Apesar das portas fechadas, Jesus entra e coloca-se no meio deles, faz-se presente onde quer sem ser constrangido pelos cerramentos, pode fazer-se visível como e quando quer. O Cristo ressuscitado traz aos discípulos a paz, a alegria e o dinamismo apostólico.
Quando os discípulos se deparam com o medo, a inquietação e a preocupação, Jesus torna-se visível e traz-lhes a paz: “a paz esteja convosco”. No nosso texto, Jesus diz três vezes: “a paz esteja convosco”. Para sublinhar que a paz é o primeiro fruto da ressurreição. São as primeiras palavras de Jesus ressuscitado e são as palavras que ele pronuncia sempre que se apresenta aos discípulos, quer desta vez, na noite do primeiro dia, quer oito dias depois. “Paz” é o fruto da ressurreição em oposição à morte que tinha gerado o caos, a dispersão, o medo e a fuga. É uma saudação e um dom ao mesmo tempo. É a paz que só vem de Deus, a verdadeira paz.
Esta paz não deve ser entendida como a ausência de guerra, mas deve ser entendida no sentido religioso-espiritual e tem um significado interior, espiritual. É, portanto, a transformação interior que substitui o medo, a incerteza, a preocupação, o mal-estar… Trata-se, portanto, de serenidade interior. A paz é o dom oferecido aos homens pelo Senhor Jesus ressuscitado. É o fruto da vida nova inaugurada pela sua ressurreição. A paz, portanto, é identificada como a “novidade” introduzida na história humana pela Páscoa de Cristo.
É uma novidade que vem da transformação interior. Jesus, que está “no meio deles”, transmite a paz, traz verdadeiramente a paz; de facto, como diz Paulo, “Ele é a nossa paz” (Ef 2,14), porque na sua humanidade realizou a reconciliação entre os homens e Deus, vencendo o pecado e a morte. As forças hostis ao homem foram aniquiladas e é assim que Jesus pode trazer-nos a paz.
A paz vem depois. Primeiro vem a presença do Ressuscitado, a sua presença entre nós. Ele é a nossa paz. O medo dos apóstolos, barricados no cenáculo, provinha precisamente da ausência de Jesus; era a sua solidão, a sua perplexidade. A Páscoa chega de repente como festa e como alegria, pela simples presença de Jesus no meio deles.
Essa paz, que é uma transformação interior, deve ser transmitida aos outros e são os discípulos que devem ser os portadores dessa paz. Para além da paz, a ressurreição de Jesus dá um dinamismo apostólico: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”. Jesus envia os discípulos ao mundo para continuarem a sua própria missão. Eles são escolhidos e amados por Jesus como o Pai ama o Filho. Jesus ressuscitado dá a cada cristão uma vocação, em continuidade com a sua própria missão. Cada cristão é chamado a testemunhar Cristo e a sua ressurreição, a levar alegria e paz ao mundo. Jesus dá também aos apóstolos o poder de perdoar ou reter os pecados. Assim, eles tornam-se participantes do seu poder de julgar. O que é oferecido aos homens é o perdão de Deus, mas este não pode ser concedido àqueles que se fecham à graça de Deus.
O discípulo missionário é um homem da paz de Jesus, e é essa paz que o faz passar do remorso à missão. De facto, o Papa Francisco disse: “A paz de Jesus dá, de facto, origem à missão. Não é tranquilidade, não é conforto, é sair de si mesmo. A paz de Jesus liberta dos fechamentos que paralisam, rompe as cadeias que prendem o coração. E os discípulos sentem misericórdia: sentem que Deus não os condena, não os humilha, mas acredita neles. Sim, acredita em nós mais do que nós acreditamos em nós próprios”.
Façamos nossa a oração do Santo Padre: “E peçamos a graça de nos tornarmos testemunhas da misericórdia. Só então a fé estará viva. E a vida será unificada. Só assim anunciaremos o Evangelho de Deus, que é o Evangelho da misericórdia”.