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ATRÁS DE MIM

22DomA’2023.
ATRÁS DE MIM
(leia: Jeremias 20,7-9; Romanos 12,1-2; Mateus 16,21-27)

Lembram-se do evangelho do domingo passado? Pedro foi enaltecido por Jesus, porque reconheceu nele, «Filho do homem», o Cristo, o Messias esperado de Israel. Lembram-se também que Jesus proibiu os discípulos de proclamar que ele era o Messias?
Estranho, não é? Bom, o evangelho de hoje diz-nos porquê. «A partir
daquele momento, Jesus começou a fazer ver aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar». Não, esse não era o Messias que habitava os sonhos de Pedro! O discípulo escandaliza-se. E toma o Mestre «à parte», reprova-o fortemente, como se este fosse movido por um demónio.
Um Messias derrotado?! Onde é que já se viu?!… Jesus precisava de um pouco de catequese, de ser lembrado das promessas divinas de um Messias forte, que havia de restaurar a glória de Israel.

Os evangelhos têm uma capacidade ímpar de desmascarar as nossas pretensões. No domingo passado, ouvimos Pedro dar uma resposta acertada ao Mestre. Pelos vistos, não tinha entendido as implicações do que dissera. Precisava ainda de se converter.
Apesar do tempo de convivência com Jesus, continuava sonhando com um Messias potente, que havia de se impor pela força e restaurar o esplendor de Israel. Afinal, o mesmo modo de pensar de qualquer judeu — o mesmo jeito pequeno de pensar de todos nós! Queremos um Deus poderoso, que responda aos nossos anseios de grandeza.
Não estranha o sucesso aparente de tantas ‘igrejas universais’, que
prometem soluções fáceis e imediatas para os problemas da gente.
Pedro, primeira pedra da comunidade, torna-se agora pedra de tropeço
para Jesus: um «satanás» (= inimigo, tentador), que «pensa segundo os homens, não segundo Deus». Pedro precisa ainda de aprender a ser discípulo: «Vai para trás de mim!», diz Jesus. Aprende a seguir os meus passos, o meu jeito de ser.

Não só Pedro precisa de mudar. Todos nós precisamos de aprender constantemente a pôr-nos «atrás» do Mestre, a saber seguir o seu caminho de despojamento e doação. Afinal, a maioria de nós, para compensar a ferida de desamor que carrega, busca ser importante, aparecer, ser aplaudido. Muitos de nós projectam os sonhos
de grandeza nas instituições de que fazem parte. No fundo, custa-nos aceitar um Deus que despe o manto de grandeza e põe o avental da humildade para lavar os pés aos últimos; um Deus que se identifica não com os triunfadores, mas com os perdedores, os dilacerados da vida. Que se deixa crucificar com eles… A todos nós o Mestre desafia: «Se alguém quer vir atrás de mim, renegue a si mesmo, tome a
sua cruz e siga-me».

«Renega a ti mesmo». Renuncia ao teu ego, a ser o centro do mundo, a ver a vida apenas a partir do teu ângulo de visão. Adopta a perspectiva de Jesus, e verás que os teus horizontes se ampliam, que a tua vida se alarga, ao tocar outras vidas com amor desinteressado.
«Quem quer salvar a própria vida, há-de perdê-la; mas quem perder a sua vida, por minha causa, há-de encontrá-la». Na matemática divina, dar é ganhar; guardar para si é perder.

«Toma a tua cruz». Não é um convite à resignação, a aceitar os sofrimentos sem se queixar. É um apelo a atitude corajosa. No tempo de Jesus, a cruz era o suplício que as autoridades romanas reservavam a bandidos e revolucionários. «Tomar a cruz» é aceitar os riscos que o seguimento de Jesus (= viver ao seu estilo) implica: ir contra a corrente, não se acomodar à mentalidade dominante, «não se onformar com o mundo», como diz Paulo. «Tomar a cruz» é viver e agir de acordo com o Evangelho, mesmo com o risco de ser mal-entendido, olhado com desdém, ou ser excluído dos círculos de poder. Mas, com Jesus, a cruz ganhou outra dimensão: a do amor levado ao extremo. «Toma a tua cruz» também quer dizer: abraça
com força a via do amor, age com o máximo de amor de que és capaz.
E «segue-me»: inspira-te em mim e a tua existência se plenificará.

Jeremias (primeira leitura) é um pouco como Jesus: um profeta apaixonado, «seduzido» pelo Senhor. Apesar das incompreensões e riscos da sua missão, a Palavra de Deus continua a ser um «fogo» que o devora e alenta. Do mesmo modo, há um «fogo» que move o Mestre. Ele «tem que ir» a Jerusalém, tem uma missão irrenunciável.
Nos palácios de Jerusalém viviam os que eram considerados os homens ‘realizados’ daquela sociedade: os que se impunham pelo poder e pela força — política, económica, religiosa. Anciãos, sumos sacerdotes e doutores da Lei (que determinarão a morte do Mestre) eram representantes duma religião e de uma sociedade que tinha perdido o frescor da Aliança e a ternura da Vida. Jesus
os enfrentará apenas com a força do amor e da confiança em Deus.
Que ninguém poderá vencer. «Ao terceiro dia, ressuscitarei».

A Pedro, à multidão, a cada um de nós, Jesus se apresenta como modelo de vida plenamente realizada — no dom de si, no amor.
Basta que nos coloquemos, cada dia, «atrás dele». Portanto, «não nos conformemos a este mundo. Deixemo-nos transformar, renovando o nosso modo de pensar. Para sabermos discernir a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe agrada, o que é autêntico» (Rm 12,1-2: segunda leitura).

(João Pedro Fernandes, CSsR)