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‘Não podeis servir a Deus e ao dinheiro’

25º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C
18 de Setembro 2022
‘Não podeis servir a Deus e ao dinheiro’ (Lc

Queridos Cristãos!
Com o envio à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos das contribuições das Igrejas locais que servirão de base para a elaboração da primeira edição do Instrumentum Laboris, entramos na fase continental da caminhada sinocal, em que todos (=Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma), i.é, as sete reuniões internacionais (África, Oceânia, Ásia, Médio Oriente, América Latina, Europa e América do Norte), somos chamados a descobrir com mais intensidade o rosto e a forma de uma Igreja sinodal, aprender a escutar os outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o “Espírito da verdade” (Jo 14, 17) (cf. Documento preparatório do sínodo 2023, 15).

A fé cristã não é uma ‘religião do Livro’: o cristianismo é a ‘religião da Palavra de Deus’, não de ‘uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo’ (cf. Verbum Domini, 7). No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa (cf. Verbum Domini, 11), que é o centro da revelação divina (cf. Verbum Domini, 7). De facto, o Senhor Jesus, o Verbo de Deus encarnado que é, simultâneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação (cf. Dei Verbum, 2), apresenta-Se a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6)», e os cristãos, na sua sequela, são originariamente chamados “os discípulos do caminho” (cf. At 9, 2; 19, 9.23; 22, 4; 24, 14.22). Durante este caminho, Jesus vai propondo as exigências do discipulado (cf. Lc 14, 25-33) e os valores do Reino de Deus. Assim, a liturgia da Palavra proposta para este domingo, apresenta-nos mais um passo do “caminho para Jerusalém”; sugere-nos uma reflexão sobre o lugar que os bens materiais devem ocupar na nossa vida. Os discípulos de Jesus devem ter cuidado com o dinheiro desonesto (cf. Lc 16, 9-13), evitar que a ganância ou o desejo imoderado do lucro manipulem as suas vidas e condicionem as suas opções; devem ser fiéis embaixadores do Senhor que ‘levanta do pó o indigente e tira o pobre da miséria’ (cf. Salmo 112 (113).

Na primeira leitura, Amós, o profeta da justiça social, denuncia os que sem escrúpulos, arquitectam macabros planos contra os excluídos. Deus não está do lado de quem, por causa da obsessão do lucro, espezinha, explora e escraviza os mais pobres. ‘Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob: «Nunca esquecerei nenhuma das suas obras» (cf. Am 8,4-7). A exploração e a injustiça não passam despercebidas aos olhos de Deus. A luta pela defesa da dignidade pessoal, pela justiça e a paz social, pela promoção humana, a libertação e o desenvolvimento do homem todo e de todo o homem constitui um elemento decisivo da missão da Igreja. A opção pelos pobres é mais uma categoria teológica. A inclusão social dos pobres está implícita na fé cristológica, deriva da nossa fé em Cristo (cf. Evangelii Gaudium, 186) que sendo rico, fez-Se pobre, para nos enriquecer na sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9). Por isso, sem a opção preferencial pelos pobres, o anúncio do Evangelho corre o risco de não ser compreendido ou de afogar-se num mar de palavras vazias (cf. Evangelii Gaudium, 198, 199).

Segundo o Papa Francisco, o compromisso da Igreja na defesa da dignidade da pessoa humana exige a escuta atenta do grito dos pobres e ao mesmo tempo da terra. O grito da Amazónia ao Criador é semelhante, diz o Papa, ao grito do Povo de Deus no Egipto que desde a escravidão e o abandono clama por liberdade (cf. Querida Amazônia, 52). Existe uma relação de circularidade entre os explorados, marginalizados, excluídos e a mãe terra maltratada, oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do parto» (cf. Rm 8, 22). Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres (cf. Querida Amazônia, 8). Eis aqui o que o Papa chama de ‘ecologia integral’ que requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exactas ou da biologia e nos põem em contacto com a essência do ser humano (cf. Laudato Si, 11). O cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros (cf. Laudato Si, 170). Tudo está interligado, e isto convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade (cf. Laudato Si, 240).

Amós, o “profeta da justiça social”, exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C., durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de tranquilidade política. O comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente. As construções da burguesia urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos. Porém, a prosperidade e o bem-estar das classes favorecidas contrastavam com a miséria das classes baixas. O sistema de distribuição estava nas mãos de comerciantes e políticos sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços, delapidando, como o filho pródigo, o erário de todos. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.

Os esquemas de exploração descritos por Amós não são uma mera e infeliz recordação de um passado. Estamos a viver, um pouco por todo lado, momentos decisivos e, curiosamente, semelhantes, em alguns casos cenários políticos, como por exemplo, em Angola, no conflito Rússia-Ucrância, etc. O novo paradigma e as formas de poder que derivam da tecnologia; convida a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso (cf. Laudato si, 16). Como disseram os Padres sinodais, ‘a memória da África guarda a dolorosa recordação das cicatrizes deixadas pelas lutas fratricidas entre as etnias, pela escravatura e pela colonização. Ainda hoje o continente se vê confrontado com rivalidades, com novas formas de escravatura e de colonização’ (cf. Africae Munus, 9).

Diante deste triste cenário nacional e internacional, impõe-se afirmar que a medida intrínseca de toda a política é a justiça. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos, segundo a justiça. A construção duma ordem social justa compete, sem dúvida, à esfera política. Entretanto, uma das tarefas da Igreja na África é formar consciências rectas e sensíveis às exigências da justiça, para que maturem mulheres e homens solícitos e capazes de realizar esta ordem social justa com a sua conduta responsável (cf. Africae Munus, 22), já que não se pode falar de subsidiariedade, solidariedade e justiça sem a caridade, qual ‘sinal distintivo dos discípulos de Cristo’ (cf. Jo 13, 35). De facto, dirigindo-se aos jovens economistas e empresárias do mundo inteiro para os convidar ao Evento “ECONOMY OF FRANCESCO”, Assis, 26-28 de Março de 2020, o Papa Francisco disse que urge configurar uma economia que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta’; «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social» (cf. Evangelii Gaudium, 53). Por isso, no Evangelho de hoje Jesus aconselha os seus discípulos a seguir o exemplo do administrador astuto da parábola que percebeu como os bens deste mundo eram caducos e precários e que os usou para assegurar valores mais duradouros e consistentes. ‘Não ao dinheiro que governa em vez de servir, exclama o Papa Francisco. O dinheiro deve servir, e não governor ! (cf. Evangelii Gaudium 56).

A defesa da sacralidade da vida e da dignidade da pessoa humana tem de ser uma prioridade da acção social e política da Igreja (cf. COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA, 554-556). Segundo o Papa Francisco, a causa tanto da crise ecológica como da económica é profundamente antropológica: a negação da primazia do ser humano e adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35), o fetichismo do dinheiro e a ditadura duma economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano (cf. Evangelii Gaudium. 55). ‘O Papa, diz Francisco, ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano’ (cf. Evangelii Gaudium, 58).

Por detrás da ambição desenfreada pelos bens materiais esconde-se a rejeição (=eliminação) do outro, a devastação da terra e a recusa de Deus, ‘o Senhor que domina sobre todos os povos, cuja glória está acima dos céus’ (cf. Salmo 112 (113). Por isso, na segunda leitura, o autor da Primeira Carta a Timóteo convida os crentes a fazerem do seu diálogo com Deus uma oração universal, onde caibam as preocupações e as angústias de todos os nossos irmãos, sem excepção: ‘Recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade (cf. 1 Tim 2,1-8). O tema não se liga, directamente, com a questão da riqueza (que é o tema fundamental da liturgia deste domingo); mas o convite a não ficar fechado em si próprio e a preocupar-se com as dores e esperanças de todos os irmãos, situa-nos no mesmo campo: o discípulo é convidado a sair do seu egoísmo para assumir os valores duradouros do amor social, da partilha, da fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita (cf. Fratelli tutti, 1).

A salvação não é monopólio de poucos, não é privilégio de alguns. A Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa (cf. Evangelii Gaudium, 47). A oração não pode ser a expressão de uma vida vivida em “circuito fechado”, em que o crente apresenta a Deus, exclusivamente, os seus problemas, as suas questões, os seus desejos, os seus pedidos, e em que, eventualmente, lembra a Deus aqueles que lhe são próximos. A oração só faz sentido se for a expressão de uma vida de comunhão – comunhão com Deus e comunhão com os irmãos. Portanto, não é impossível rezar e, ao mesmo tempo, cultivar sentimentos de ódio, de intolerância política, de racismo, de divisão; mas a oração tem de ser a expressão da comunhão e da solidariedade do crente com todos os irmãos espalhados pelo mundo inteiro – conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, bons e maus, negros e brancos. Todo o crente, no seu diálogo com Deus, tem de deixar transparecer a ilimitada capacidade de amar e de ser solidário com todos os homens.

Por isso, rezemos pela conversão missionária de todos os Agentes de pastoral (Pastores e fiéis Leigos); rezemos pela conversão dos Governantes civis (PR, Vice – PR, Deputados da Assembleia Nacional) que, hoje e amanhã, tomam posse para que, seguindo o exemplo de Jesus que Se entregou à morte pela redenção de todos, o filho do homem que veio para servir e não ser servido (cf. Mc 10, 45), entendam o poder político e económico não como domínio, mas como um ministério participativo e inclusivo (cf. Mc 10, 43).

Assim seja!