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A VIRTUDE DE WIWANANA (ESCUTAR-SE) COMO CAMINHO DA IGREJA COMUNHÃO

A VIRTUDE DE WIWANANA (ESCUTAR-SE)
COMO CAMINHO DA IGREJA COMUNHÃO
De Celestino Victor Mussomar
Introdução
Quero agradecer a Imbisa pelo diálogo teológico que tem vindo a desenvolver para o crescimento da nossa Igreja na região da MBISA. A teologia como busca de dar razão a nossa fé sempre acompanhou a História da Igreja porque nós precisamos de justificar a nossa fé porque esta é uma adesão, encontro com uma pessoa que é Jesus Cristo. É nessa forma que agradecemos a IMBISA como teólogos por este espaço de diálogo para que possamos reflectir sobre a nossa fé cristã e católica. E quero agradecer a todos àqueles que conseguiram entrar para partecipar nesta apresentação. O discurso é caracterizzado por três pontos principais:
1- A virtude de Escutar-se (wiwanana) como acto de abrir o coração;
2- Wiwanana (escutar-se) como caminho para comunhão;
3- Wiwanana para a comunhão na vida Social;

1- A virtude de Escutar-se (wiwanana) como acto de abrir o coração
A nossa região está vivendo um momento muito inédito da nossa História que é a proliferação das seitas ou novos movimentos eclesiásticos onde algumas pessoas dum dia ao outro criam novas igrejas. E do outro lado a nível económico, político e social vive-se uma bifurcação entre pocos ricos e uma maioria de pobres que continuam na miséria. É nesta óptica que para uma análise aprofundada desse dinamismo da sociedade para nós cristãos somos chamados ao testemunho de vida nesta nossa sociedade africana. Na esteira de Joseph Ratzinger podemos dizer que o cristão é chamado ao agir performativo ou seja o cristão deve viver o que crê e crer o que vive. Vive-se o que se professa e se professa o que se vive. O cristianismo é uma experiência com a pessoa de Jesus, como sempre disse Joseph Ratzinger e Luigi Giussani. Quando o cristão diz: «eu creio» deve viver aquilo que diz crer. Se trata de testemunho de vida porque como diz o Papa Bento XVI na Spe Salvi: «o cristianismo não era apenas uma «boa nova», ou seja, uma comunicação de conteúdos até então ignorados. Em linguagem actual, dir-se-ia: a mensagem cristã não era só «informativa», mas «performativa». Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera factos e muda a vida.» (SS n° 2). É tempo que depois da teologia africana de adaptação, inculturação e a actual de interculturalidade passemos a transculturalidade ou seja o cristianismo se trasforme em Cultura em África. A teologia como fides queerence intellectum, portanto hoje, precisa incetivar a dimensão da performaticidade no agir do cristão. Neste modo a Igreja no seu pregrinar nesta terra e no contexto da IMBISA onde existe a proliferação das seitas os outros cristãos não católicos possam dizer: «Vejam como os católicos entendem-se ou escutam-se» porque wiwanana ou escutar-se é a virtude para a comunhão. Alias, como nos confirma São Lucas: «A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum.» (Act, 4, 32).
O ter um só coração, quer dizer escutavam-se. Escutar no sentido antropológico semítico e também de forma de uma análise comparada africano quer dizer ter coração. E ter um só coração nesse caso é escutar-se ou seja wiwanana (macuwa), kunvana (chichewa). Segundo o dicionário da teologia bíblica sob a direcção de Xavier Leon Dufour com a colaboração de Jean Duplacy, Aigustin George, Pierre Grelot, Jacques Guillet e Marc-François Lacan: «escutar significa «abrir o próprio coração» . A visão antropológica cultural bíblica e àquela africana existem semelhanças. Se uma pessoa nas culturas africanas faz o bem diz-se tem um bom coração e ao contrário se faz o mal diz-se tem um mau coração. Mesmo quem não escuta diz-se que não tem coração. Podemos dizer partindo de uma analogia que escutar pode ser dito: abrir o próprio coração e entrar em diálogo com o próximo. Escutar é entrar em comunhão com o outro. O outro aqui pode ser Deus o que se chama oração ou o próximo. A palavra wiwanana ao menos em Macua uma étnia do norte de Moçambique vem do verbo wiwa que quer dizer escutar e wiwanana é o acto de escutar-se que no sentido analógico pode significar abrir-se os corações. Partindo do princípio que na cultura Macua através da sabedoria proverbial Xirima: «“Ekhaikhai mutthu murim’awe», isto é, «na verdade, a pessoa é o seu coração» e o Macua repete sempre «Muthu Murimawe» . Por isso a primeira conclusão que pode emergir é que escutar-se «é unir os corações», isto é, «estar em comunhão». O segundo ponto que emerge é que, partindo de uma visão antropológica cultural africana e seu mundo-visão, falar da Igreja em África é falar da união dos corações ou seja é ter «um só coração e uma só alma», é isso que se chama comunhão ou Wiwanana (escutar-se) nas culturas africanas.
2- Wiwanana (escutar-se) como caminho para comunhão
O «escutar-se» hoje emerge como uma virtude importante no nosso contexto para construir uma Igreja onde existe um só coração e uma só alma o que podemos chamar comunhão. Mas a comunhão deve partir da resposta que os cristãos africanos responderem a pergunta de Jesus: Mas vós africanos quem dizeis que eu sou? Podemos ter uma comunhão se conseguirmos responder à esta pergunta de Jesus. Jean-Marc Ela insiste que para uma cristologia africana precisa «encontrar no cristianismo o rosto africano do Homem» . Reconhecendo o rosto de Cristo e a sua identidade, nós nos reconhecemos n’Ele e nos reconhecemos a nós mesmos. Urge questionarmo-nos: como é o rosto de Cristo na África? Será que reconhecemo-nos e reconhecemos os outros em Cristo? Será que nós reconhecemos os outros na caridade? Para Bento XVI na encíclica Deus caritas est aferma: «O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a inteira comunidade eclesial, e isto a todos os seus níveis: desde a comunidade local passando pela Igreja particular até a Igreja universal na sua globalidade» (DCE, 20). O Cristianismo é uma fé que exige uma conversão diária, exige uma mudança de mentalidade diária e finalmente exige o reconhecer o rosto de Cristo e gritar como o discípulo amado «é o Senhor». Segundo Bruno Forte precisa de um etinerário catecumenal diário. E só reconhecendo o rosto de Cristo se pode reconhcer o rosto do outro e entrar em comunhão com ele. A «comunhão» (koinonia) consiste em ter tudo em comum, pelo que, no seu meio, já não subsiste a diferença entre ricos e pobres (cfr. Act 4, 32-37). Podemos dizer que a Koinonia só é possível se aprior existe um só coração e uma só alma. Precisa cultivar a virtude de escutar-se na Igreja caso contrário é impossível a comunhão. Escutar-se portanto, é o pressuposto imprescindível da sinodalidade. Na mesma linha a exortação Evangelii Gaudium de papa Francisco no n° 31 diz:
O Bispo deve favorecer sempre a comunhão missionária na sua Igreja diocesana, seguindo o ideal das primeiras comunidades cristãs, em que os crentes tinham um só coração e uma só alma (cf. Act 4, 32) . Para isso, às vezes pôr-se-á à frente para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo, outras vezes manter-se-á simplesmente no meio de todos com a sua proximidade simples e misericordiosa e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do povo, para ajudar aqueles que se atrasaram e sobretudo porque o próprio rebanho possui o olfacto para encontrar novas estradas. Na sua missão de promover uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, deverá estimular e procurar o amadurecimento dos organismos de participação propostos pelo código de Direito Canónico e de outras formas de diálogo pastoral, com o desejo de ouvir a todos, e não apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo. Mas o objectivo destes processos participativos não há-de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho missionário de chegar a todos.
Por isso se não se escuta entre os Cristãos na Igreja corre-se o risco de «estar no mesmo teto mas não estar na mesma casa». A Igreja é comuhão porque na base tem um amor trinitário. A Igreja é icone da trindade. E se permanece na Igreja como afirma o teólogo Ratzinger porque esta nos dá Cristo. Esta forma de reflectir teologicamente de Ratzinger nos leva a pensar hoje qual deveriam ser as razões para permanecer na Igreja ou em comunhão com a Igreja. E o porquê continuar na Igreja? Porque para o cristão viver é Cristo como diz São Paulo. É nesta lógica de Cristo que podemos dizer que a nossa comunhão tem como o centro Cristo que é o caminho a verdade e a vida. Sem a figura de Cristo não se pode pensar a Igreja, é Ele a segunda pessoa da trindade que na comuhão com o Pai e no amor faz viver a Igreja. A Igreja é de Cristo e nós somos ao serviço da missão redentor de Cristo. Como diz São Paulo:
«Fui crucificado juntamente com Cristo. E, desse modo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. E essa nova vida que agora vivo no corpo, vivo-a exclusivamente pela fé no Filho de Deus, que me amou e se sacrificou por mim.» (Galatas, 2,20).
E na epístola aos Filipenzes 1,21 diz: «Porque para mim, viver é Cristo e morrer é lucro!». Portanto podemos dizer que para que possamos continuar a ter a comunhão na Igreja ou para costruirmos a Igreja na comunhão precisamos escutarmo-nos mas para isso precisamos reconhecer a Cristo. Precisa encarnar-se o Evangelho ou seja precisa que se transforme em Cultura com a “C” maiscula na nossa vida. Para isso precisa responder perguntas como: Quem é Cristo para mim? Ou quem é Cristo para nós nas dioceses da IMBISA, na nossa paróquia e nas nossas casas? Será que o Evangelho tornou-se mundo-visão da minha vida quotidiana? Por isso é urgente que na nossa própria vida possamos responder a pergunta da indentidade de Cristo no nosso contexto africano: E vós, filhos de África, quem dizeis que eu sou? Será que nos identificamos com Ele? Como podemos africanizar o cristianismo?
O papa Paolo VI em 1969 disse que «vós africanos sóis agora missionários de vós mesmos. Vós podeis e deveis ter um cristianismo africano»., Claro que, o Papa não disse um Evangelho africano mas sim um cristianismo africano. A condição preliminar para termos um cristianismo africano ou mundo-visão cristiana africana é procurarmos cultivar a virtude de escuta ou seja escutar os sinais dos tempos e sermos testemunhos (mártires) na própria vida. Só assim poderemos transformar o Evangelho em Cultura e deixarmos de ser cristãos só da capela ou do Domingo e procurarmos ser diariamente aquilo que crermos. Entre o ser e o crer não deve existir dicotomia. Ser o que se acredita e acreditar o que se é. Na Evangelii Nutiandi, papa Paulo VI diz: «a ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época» (Evangelli Nutiandi, 20). Na mesma lógica que o Cardeal Malula afirma «se ontem os missionários vieram cristianizar a África, hoje, os africanos devem africanizar o cristianismo» . A comunhão só pode ser possível se os cristãos católicos são unidos e procuram caminhar juntos como cristãos porque crêem no mesmo Evangelho ou seja a boa notícia que é Jesus Cristo. Em outras palavras se o Evangelho se torna Cultura ou seja encarnado a vida, os cristãos agem de forma performativa.
3- Wiwanana para a comunhão na vida Social
Os países africanos vivem um momento da História muito dramático como um mundo globalizado, mundializado com uma economia financeira especulativa. A vida de muitas pessoas se encontra numa situação de miséria devido à uma injustiça global como afirma Thomas Pogge. Neste mundo de ditadura de «capitalismo selvagem» como chama papa Francisco, precisa uma comunhão na vida social entre os cristãos e a sociedade em geral. Wiwanana ou seja ter um só coração entre os cristãos exige um comportamento de caritas in veritatis (caridade na verdade) entre os cristãos. Para isso a probreza económica fruto da História de África que se transformou em estrutural exige um comportamento de desestruturação do sistema de pobreza do pensamento único. Para os cristãos não se pode estar indiferente perante a pobreza e as injustiças. O Evangelho é uma mensagem de fé, esperança e caridade. Jean-Marc Ela no seu livro L’ecri de l’homme africain (o grito do Homem africano) afirma que a situação dramática de África exige de redifinir as prioridades do cristianismo africano . Precisamos de construir uma Igreja comunhão entre as nossas Igrejas africanas para começarmos a viver um cristianismo que não seja diametralmente oposto ao contexto africano como nos apresenta Jean-Marc Ela, que exige redifinição das prioridades. Para tal, precisamos de unir os nossos corações que estão dilacerados em África. Não podemos estar indiferentes perante as crianças desnutridas, povos sem água potável, guerras entre outras coisas. A comunhão é entre os vivos, entre os vivos e os mortos e entre os mortos. O Evangelho não é uma utopia mas é uma experiência com a pessoa de Jesus que muda a nossa vida. Portanto, o sínodo é uma ocasião de reflexão sobre a nossa dependência económica e escutar o grito das nossas Igrejas locais que não têm condições nem para manter a formação dos seus seminaristas, sem pedir ajuda do exterior, das congregações que vê nas suas irmãs sem conseguir ir as instituições do ensino superior porque não têm dinheiro para pagar. Estas situações acontecem na presença de alguns leigos que se declaram cristãos e que precisam pastores mas vivem na opulência e não querem sustentar o seu clero e pensam que o dinheiro deve vir da Europa para sustentar o clero mas paradoxalmente querem a presença de um padre ou irmã. Falta uma cultura de autonomia económica nas nossas Igrejas locais e leigos que trabalham e têm um salário deveriam ajudar no sustentamento do clero mas infelizmente isso não acontece porque a evangelização precedente criou Igrejas locais quase completamente dependentes da Europa. É tempo de criar autonomia económica das nossas Igrejas locais. Devemos pensar numa estrutura da Igreja ministerial onde existe um só coração. Onde se possa colaborar entre Dioceses, onde existe caminho conjunto nas questões económicas com princípio de Subsidiariedade. As Dioceses ricas de África ou da região deveriam ajudar as dioceses pobres, as comunidades ricas as comunidades pobres economicamente. As congregações religiosas ricas nas nossas Igrejas africanas deveriam ajudar as congregações pobres. E não esperar que muita coisa venha de longe mesmo para ajudar os nossos irmãos necessitados. Precisamos uma Igreja que não dependa somente da Europa economicamente. A comunhão Universal da Igreja não deve paralizar a comunhão local da Igreja. Entre as dioceses africanas deve-se incentivar uma caridade económica para garantir uma comunhão económica. A questão da pobreza em África e nas Igrejas africanas são um desafio que precisa reflectir seriamente. Na esteira da teologia tomista poderiamos dizer que a graça não cancela a natureza mas sim a eleva. A graça que é Jesus Cristo deve mudar o nosso modo de viver, devemos fazer uma conversão radical na nossa vida, fazendo um caminho de redenção num processo de «um já ainda não». Na esteira da carta a diagneto da literatura cristã antiga podemos dizer que os cristãos são desse mundo mas não devem viver como se fossem somente deste mundo. Precisamos superar o neoplatonismo que vivem muito dos nossos cristãos e crescermos para uma visão que a graça eleva a natureza. Como diz Santo Ireneu de Leão «a glória de Deus é o Homem Vivente» . Nós devemos ficar felizes na redenção dos nossos irmãos já nesta terra mas na espera de uma nova terra num processo de um já ainda não. O unir os coraçães é conditio sine quanon para a comunhão. Sem uma verdadeira união não se pode falar de Igreja comunhão em África. Jean-Marc Ela vai ainda longe perguntando-se quais são as prioridades de uma igreja africana onde as sociedades sofrem de fome e são dependentes? Em resposta podemos dizer precisa-se uma comunhão como um só coração na forma imanente e transcendental entre as nossas Igrejas locais e a Igreja universal. Precisa começar a mobilizar os Cristãos a ter uma autonomia eclesial num diálogo com a Igreja universal. Ou seja devemos saber partihar mesmo o pouco que temos. Na nossa sociedade africana e na nossa região estão crescendo malefícios como o neoplatonismo, o individualismo e megalomanias. Esses malefícios da nossa sociedade estão provocando o aumento de enriquecimentos ilícitos e corrupção na sociedade. Devemo-nos formar nas questões concernente à solidariedade e à comunhão em todas as dimensões, isnpirando-se aos princípios da dotrina social da Igreja e da cultura africana da gratuidade. Devemos criar a Subsidiariedade nas condições de vida em todas as dimensões da actual sociedade africana. Devemos formar os cristãos nos princípios da doutrina social da Igreja a uma visão de solidariedade e a saber como diz papa francisco: Todos somos irmãos- Fratelli Tutti! . A comunhão na Igreja tem como ícone a trindade que se manifesta no amor porque Deus Caritas est (1 Gv, 4, 16). E como a verdade é sinfónica como afirma o teólogo Urs Von Balthasar, o futuro da Igreja universal em África, na Imbisa e nas nossas comunidades, dependerá de uma das virtudes entre outras, em cultivar Wiwanana (Escutar-se) para costruir uma Igreja sinfónica no amor ou como um só coração. Para isso, como a Igreja é ícone da trindade, as diferentes instituções dentro da Igreja devem ser vistas unidas mas não confusas distintas mas não seperadas com mesmo espírito mas com diversos carismas!