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Abnegação e Vigilância

DOMINGO XIX DO TEMPO COMUM
REFLEXÃO SOBRE O EVANGELHO DO DIA (LC 12,32-48)
Abnegação e vigilância
No domingo passado, o evangelho nos falava de um homem rico que acumulava riquezas para si esquecendo-se do facto de que a sua vida não dependia delas, mas de Deus. O evangelho deste domingo continua na mesma lógica.
Em primeiro lugar, Jesus insta aos seus ouvintes a vender tudo o que possuem e a dar em esmola aos pobres para melhor se concentrarem na preservação da verdadeira riqueza, aquela celeste. Em segundo lugar, Jesus sublinha a necessidade da vigilância visto que a vinda do Filho do homem é certa, mas imprevisível. Não se trata, pois, de dois temas diferentes na medida em que as duas realidades dizem respeito ao Reino. Daí que não podemos perceber a mensagem do evangelho deste domingo se não tivermos em conta a frase introdutiva de Jesus: «Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o reino». O reino de Deus é um dom, uma graça concedida gratuitamente a cada um de nós sem mérito algum. Todavia, nenhuma graça é possível sem responsabilidade. Pelo que, o evangelho deste domingo nos convida a salvaguardar esta graça que recebemos do benfeitor supremo através da implementação de atitudes concretas, o caso da abnegação e da vigilância.
Abnegação
Abnegação pode ser identificada com a pobreza de espírito. Esta última é um tema caro ao evangelho e tem várias vertentes cuja base é essencialmente o amor a Deus e ao próximo. Os evangelistas Mateus e Lucas dão uma ênfase particular ao colocarem a pobreza em primeiro lugar na lista das bem-aventuranças: «Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o reino de Deus» (Mt 5,3; cf. Lc 6,20).
Na literatura bíblica (sobretudo no Antigo Testamento), o pobre é geralmente associado ao órfão, ao estrangeiro e à viúva, que são aqueles que não têm refúgio nem amparo senão em Deus. Deste modo, a pobreza adquire um contorno espiritual. Os pobres são os ditos ʻănāwîm, isto é, aqueles que remetem a sua causa nas mãos de Deus e que não têm pretensões de autossuficiência.
Da exortação de Jesus «vendei o que possuís e dai-o em esmola», podemos colher dois ensinamentos fundamentais: em primeiro lugar, Jesus nos convida a assumir a pobreza como um valor com vista a verdadeira riqueza que se encontra em Deus, o que não significa deixar-nos cair na fossa da mediocridade e da falência. Em segundo lugar, Jesus nos indica a via que leva ao amor radical em que ele próprio é o exemplo máximo. Pois, «ele que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio […]» (Filip 2,6 ss). Ora, aqui não se trata de um aniquilamento masoquista, mas de uma renúncia voluntária de si mesmo com vista a permitir que o outro viva.
A palavra «amor» na língua Elomwe (falada predominantemente no interior da província da Zambézia, em Moçambique), diz-se «okhwela» e provém da raiz «okhwa», que significa «morrer». Portanto, amar alguém, nesta língua (okhwela), significa estar disposto a morrer no lugar dessa pessoa. Nisto consiste a maior prova do amor: dar a própria vida para que o outro possa também viver, o que não implica necessariamente uma morte física.
Vivemos numa sociedade egoísta e consumista, marcada por dois extremos. Enquanto de um lado uns morrem vítimas de obesidade nutricional, outros, doutro lado, morrem vítimas de malnutrição. Enquanto uns querem construir mansões noutros planetas, outros nem se quer uma choupana têm neste planeta. Enquanto uns viajam para receber cuidados médicos no além-mar, outros nem se quer um paracetamol têm para acalmar as suas dores de cabeça porque não se encontra na farmácia pública. A lista podia continuar. Todavia, importa-nos dizer que a exortação de Jesus «vendei o que possuís e dai-o em esmola», deve interpelar a todos nós, quer individualmente ou coletivamente, cada um no seu lugar. Servir o Reino é servir o Homem; e «o amor é a dimensão espiritual que faz do Homem um Homem, porque o torna semelhante a Deus» (Pontifìcia Comissione Biblica, Cosa è l’uomo? § 265).
Vigilância
Em poucas palavras, a vigilância é uma recomendação discipular: «Vigiai e orai para não cairdes em tentação» (Mt 26,41). No evangelho deste domingo, enquanto de um lado se deve vigiar para receber o Senhor na hora da sua chegada, doutro lado se deve vigiar para que o tesouro não caia nas mãos alheias do ladrão imprevisível. A chegada inesperada do Senhor diz respeito a escatologia individual, isto é a morte de cada um. Entretanto, o evangelista não descura a intervenção definitiva de Deus no fim dos tempos.
Todos sabemos que a nossa estadia nesta terra não é definitiva, mas não sabemos nem o dia, nem a hora, nem as circunstâncias em que o Senhor virá nos buscar. Razão pela qual somos recomendados a permanecer em alerta para que as distrações deste mundo não roubem a nossa atenção, como diz o Papa Francisco: «O demónio não precisa de nos possuir. Envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios. E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades, porque, “como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar” (1 Ped 5,8)» (Gaudete et Exsultate, § 161).
p. Eugénio Tárua, Scj