General, Joy of the Gospel

‘Viver com fé e esperança a nossa relação permanente com Deus misericórdia infinita’

COMENTÁRIO DA LITURGIA DO XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM

« Deus, protector dos que em Vós esperam, sem vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos ».
“ Viver com fé e esperança a nossa relação permanente com Deus misericórdia infinita”.

Caríssimos irmãos e amadas irmãs, essa é a linha central da oração colecta do XVII Domingo do Tempo comum. A liturgia da Igreja nos ensina o quanto o Ano litúrgico tenha por objectivo fazer reviver a história da salvação realizada por Deus em Cristo. Desde a ressurreição e ascenção do Senhor até ao Seu retorno no final dos tempos, a salvação realiza-se em todos os homens e mulheres que aceitam acolher os seus benefícios; no-lo recorda a oração colecta hodierna que faz o convite a viver confiantes no Senhor. Na história da salvação o antigo povo de Deus sempre teve confiança no Senhor e o invocou como sua força e sua esperança. São exemplos disso os salmos: “O Senhor é a força do seu povo, refúgio seguro para quem a Ele se consagra ( Salmo 27,8); “O Deus de Israel dá força e vigor ao Seu povo” (76,36). Por isso o bom israelita exaltava a força protectora do Senhor proclamando: “… tu, ó Deus, és a minha misericórdia”(58,18); além disso, todo Israel tinha a sua esperança interamente virada no Senhor: “Só em Deus repousa a minha alma, nEle está a minha esperança” (61,69). A confiança que o povo de Israel punha em Deus, sua força e esperança, continua no novo Israel, a Igreja, e é expressa sobretudo nas celebrações litúrgicas.
Irmãos, a liturgia da Palavra de hoje nos convida a um espírito de oração fecunda e eficaz; a oração de Abraão que pode parecer petulante e impertinente, pela sua insistência, unida ao Pai nosso, uma oração simples que, de facto, revela um abandono total do orante ao destinatário da mesma, não quer ser expressão de uma passividade à mercê da vontade de Deus, mas um empenho e uma disponibilidade para que a vontade de Deus se realize na vida do orante. Cada um de nós, enquanto orante pode se deparar com a necessidade de que querer saber o que o Senhor pode dar ao homem ou à mulher enquanto oram? Cada um de nós na sua vida pessoal tem inúmeros exemplos de desejos expressos na oração e não realizados, se se tiver em contas os juízos humanos; Abrão suplica pela salvação de duas cidades que depois serãos distruidas e Jesus, no momento de maiores necessidades e sofrimentos, suplicará ao Pai de salvá-lo e, como toda resposta, vem um anjo a consolar-lo, quando a hora prevista e estabelecida está na eminência de chegar.
Orações que não são atendidas? Sim, tem razão o Apóstolo S. Tiago quando escreve aos seus cristãos: “ pedis e não recebeis, porque pedís mal” (Tiago 4,3). De facto, de quando em vez, temos de reconhecer que pedimos mal e que a nossa oração assume um carácter de imperativo material, mais do que um momento de aproximação à Deus para sermos mais disponíveis à Ele. O Contraste entre as nossas aspirações e a resposta de Deus pode verificar-se também no aspecto “moral”: a libertação de alguns defeitos ou de certos vícios parece não acontecer; tudo porque pedimos mal. Se pedirmos com fé, Deus nos concede o Seu Espírito e este nos dará a capacidade de esperar que se realize em nós a sua vontade, expressa na vinda do Seu Reino. Esse Reino pelo qual somos convidados a rezar e orar tem algumas características que mostram o como devemos nele esperar a realização de muitas aspirações que nutrimos no dia a dia: Um reino no qual todos recebem o pão quotidiano, um reino em que a injustiça dos mais ricos e dos mais fortes não tira é capaz de tirar mais o pão dos mais pobres. É esse Reino que pedimos ao Senhor e que, de facto, dada as incoerências da humanidade de hoje, parece difícil de se manifestar. Estamos num mundo em que a distância entre os poucos que possuem muito e os muitos que nada possuem aumenta cada dia; num mundo onde são violados os direitos fundamentais do homem (por exemplo o direito à vida); num mundo em que as grandes iniciativas em favor da pessoa humana não chegam a resolver, de modo adequado, os problemas que pedem a atenção de todos. Diante de tudo isto, é justo nos perguntarmos: “quais são as nossas responsabilidades para que esse reino se manifeste”? O Espírito de Deus que nos foi concedido como resposta à nossa oração sincera nos ajuda a reencontrar a via do nosso empenho, caso aceitemos contemplar os factos quotidianos à luz do que Ele nos sugere: rever os comportamentos pessoais e colectivos com o foco direccionado à justiça; reconhecer nos factos, e não só nas palavras rituais, que todos somos pecadores e obrigados a nos sustentarmos uns aos outros e acolhendo o perdão que nos vem do Senhor e o juízo verdadeiro que somente Ele pode emitir.
Em suma, neste Domingo somos convidados a rezar com fidelidade. Deus nos ama e nos atende não pelo nosso mérito mas pela sua infinita misericórdia. Por isso, não adianta colocar condições à Ele. Não pode ser o Senhor que deva estar à disposição dos nossos projectos, às vezes instintivos e inconvenientes, mas somos nós que, por meio da oração, deveremos estar à disposição dos seus métodos e do seu desígnio. A nossa oração nos deve libertar dos imediatismos existenciais e produzir em nós o sentido de abandono e entrega total aos seus desígnios, nos quais cada um dá-se contas que nada lhe falta. É isso que justifica a oração colecta de hoje: « Deus, protector dos que em Vós esperam, sem vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos ».
Pe. Virgílio Joaquim Canário
Diocese do Sumbe – Angola