OS COMPANHEIROS DE VIAGEM
Fronteiras, Migrações e Identidades: estrangeiros ou turistas? Ir. Ester Lucas Maria
Introdução
No quadro da reflexão proposta pelo Santo Padre na vivência do Sínodo 2023: Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão, proponho uma reflexão sobre o primeiro núcleo temático: Os companheiros de viagem. As questões que acompanham este núcleo, a saber, na Igreja e na sociedade, estamos lado a lado na mesma estrada. Na nossa Igreja local, quem são aqueles que “caminham juntos”? Quem são aqueles que parecem mais afastados? De que forma somos chamados a crescer como companheiros? Que grupos ou indivíduos são deixados à margem? permitem olhar para os que nos nossos dias são mais vulneráveis porque acumulam pobrezas e são deixados nas bermas do caminho, nas periferias da existência humana. Um desses grupos é o dos que por vários motivos devem deixar as suas terras para migrar, buscar outros horizontes. O fenómeno das migrações humanas é tão antigo tal como a humanidade (DOKOS, 2017, p. 102), tendo permitido ao longo da história a evolução da cultura dos povos e da própria civilização humana. As migrações foram fonte de partilha de conhecimentos científicos e tecnológicos, de princípios e valores culturais e religiosos o que levou a humanidade ao progresso e à construção da história e do humanismo. Contudo a situação hodierna da atividade migratória dos humanos reveste-se de uma valência nem sempre positiva, sobretudo, quando os que migram o fazem por motivos socio económicos levando as populações das regiões mais pobres a se deslocaram para as regiões mais desenvolvidas em busca de melhores condições de vida. Este é um dos temas mais caros ao papa Francisco em seu Magistério. Vale lembrar o discurso do Papa Francisco, em Lampedusa, porta de entrada da África para a Europa, com seus muitos emigrantes mortos no mar, falando ao mundo atual da gravidade e da crueldade da indiferença que caracteriza a cultura do mundo pós-moderno que gera a exclusão do “outro”, simplesmente porque é diferente e não tem nada para oferecer, porque é pobre. O papa questionou esta cultura e teceu críticas ao que chamou de globalização da indiferença. Esta indiferença global é um dos sinais da falência de valores que até agora pareciam caracterizar as culturas e em particular o modo de ser e de estar nas sociedades africanas. O reconhecimento do “outro” como irmão, a integração e reconhecimento da diferença que constrói, a tolerância e hospitalidade eram valores vividos, mas não suficientemente pensados, de modo que a aparição de focos de violência e guerras motivadas pela negação da diferença, a intolerância surpreende e encontra a todos destituídos de ferramentas conceituais para fazer face à deterioração das relações em sociedade. O continente Africano é marcado em nossos dias pela multiplicação de tragédias ligadas a genocídios e guerras fratricidas , que dizimam aleatoriamente todos os que pensam, acreditam e vivem de forma diferente. Esta situação gera avalanches de deslocados internos e externos aos países e ao continente. Mas o imigrante tanto no país como no continente depara-se com a negação da sua existência, quer pela indiferença com que é tratado, quer pela hostilidade a que é sujeito, justamente por não ser como os da terra. Embora se possa estabelecer alguma diferença entre o imigrante, estrangeiro, que empurrado pelos acontecimentos se encontra em terra estrangeira desprovido de tudo e necessitado de solidariedade, e o estrangeiro que por iniciativa própria e com viagem bem preparada se torna estrangeiro, com algum poder financeiro e económico, a quem se dá o nome de investidor ou turista. Fica claro que o problema, tanto em África como em qualquer outra parte do mundo, não está em ser estrangeiro, mas em não ter dinheiro, em ser pobre, em não ser ator relevante para a vida socio económico-financeira do lugar. Parece, pois, relevante uma reflexão sobre os que além de serem imigrantes acumulam critérios de exclusão em um mundo que valoriza a globalização enquanto processo de homogeneização da cultura global tanto no nível económico bem assim político e no entanto produz excluídos. Com efeito, se por um lado há cada vez mais tendência a abolir fronteiras entre as nações para permitir a livre circulação de pessoas, bens e serviços, as relações humanas que se estabelecem tendem a criar excluídos e invisíveis, num sistema que privilegia os que são financeiramente relevantes.
Proponho nesta reflexão que pensemos na necessária abertura na compreensão da noção de fronteira como lugar da construção de identidades e da fraternidade que se abre ao diferente, estranho e estrangeiro. Pensemos no papel que a comunidade cristã chamada a oferecer caminhos novos na construção de uma sociedade mais fraterna, no respeito pelo diferente sem o desejo de o reduzir à uniformidade, buscando e cultivado a pluralidade que constrói e enriquece.
1. O imigrante e o estrangeiro obrigam a pensar na complexa noção de fronteira.
Pensar no imigrante, no estrangeiro é interrogar o conceito de “fronteira” e a necessidade e importância de entender este conceito de forma aberta como possibilidade de construir relações de fraternidade que sem abolir as fronteiras, redimensiona-as para e permite a construção de uma humanidade comum.
A palavra “fronteira” pode ser entendida como sinónimo de limite de um território quer seja real, físico quer seja simbólico. É um conceito que provoca a reflexão da realidade em termos de limitação, de proibição, de demarcação de espaços, de propriedade privada ou alheia, que faz pensar e sentir de algum modo a insegurança, o medo, o questionamento, hesitações e as dúvidas, não apenas no que diz respeito ao espaço geográfico do “eu” e do “tu”, mas sobretudo em relação ao que ele representa e significa para ambos. Com efeito, as fronteiras põem em causa conceitos identitários, geográficos, sociais, culturais e até mesmo religiosos no seu constante movimento de construção e constituição. O carácter permeável e a constante mutação da realidade sociocultural dos povos faz do conceito de fronteira um espaço, um lugar aberto a uma contínua re-significação que supera a geografia e remete a reflexão à dimensão emotiva, cultural, social, religiosa e porque não, à dimensão humana no que ela tem de mais comum: a sua total fragilidade. A etimologia do termo “fronteira” é igualmente elucidadora, na medida em que sugere uma realidade que está diante dos olhos e que aponta para o além. E este além é um horizonte para o qual se caminha, um horizonte habitado pelo outro que também se coloca diante de um espaço habitado e é convidado a um encontro, a uma relação de não dominação, de não-violência, uma relação que reconhece a alteridade do outro. A fronteira faz pensar no direito e no dever, ambos presentes no mesmo movimento de pensamento que instaura a relação e que faz possível a vida humana. O direito é de todos e de cada um dos intervenientes e o dever igualmente exige a todos e a cada um na medida em que se abre ao reconhecimento que permite a relação.
Com efeito a relação com o “outro” exige a manutenção da alteridade na sua total originalidade, entenda-se, a renúncia ao desejo de dominação, de apropriação e de integração ao mesmo. Trata-se de instaurar uma relação ética que rompe com toda a forma de violência que é sempre fruto do desejo da eliminação do outro na sua diferença e originalidade. Como bem o diz Lévinas (2001, p.75) “a acção violenta não consiste em entrar em relação com o “Outro”, é precisamente aquela em que alguém age como se estivesse só”, portanto sem a barreira que a fronteira realiza e sem o reconhecimento do outro na sua diferença. A recusa de reconhecer a fronteira que o outro impõe é uma forma de violência e recusa de uma relação onde há direitos e deveres mútuos. A noção de fronteira faz, pois, apelo à relação, à ética , enquanto experiência do “outro”, único, irredutível ao género, a todo o conceito e a toda a visão teórica, a toda a pretensão de universalidade. Assim, a fronteira obriga ao reconhecimento do outro no que tem de irredutível, de diferente e convoca a uma atitude ética, isto é, a entrar em relação com o outro. Por isso as fronteiras permanecem importantes mesmo quando há livre circulação de pessoas, bens e serviços entre os países. É a fronteira simbólica, geográfica, cultural, religiosa, económica, financeira ou linguística que define o estrangeiro, o turista, o investidor, o imigrante e a sua visibilidade social. Por outras palavras, a compreensão da fronteira define a atitude ética, a experiência de um deslocar-se e de ter ou não compaixão pelo outro. Pensar na fronteira permite compreender que os valores da fraternidade, da solidariedade não são valores naturais, são um consentimento, um apelo e um movimento do nosso ser em direção àquele que não conhecemos, cuja humanidade desperta e faz vibrar em nós uma capacidade de “ser para e com o outro”.
2. O (i) migrante, o estrangeiro na “Fronteira” lugar-comum e o dever de hospitalidade
O magistério do Papa Francisco é atravessado pela preocupação com os que estão à margem, nas periferias, na fronteira , preocupação com aqueles cuja presença e existência se tornou incómoda para a sociedade que procura ignorar tornando-os invisíveis, pessoas e grupos sociais cuja identidade e originalidade perdeu visibilidade e significado. Esses grupos sociais ou pessoas que incomodam nem sempre cruzaram fronteiras dos Estados, mas estão na “fronteira”, social, cultural ou mesmo religiosa e pedem reconhecimento e possibilidade de uma relação que humaniza, uma relação ética. A violência na sociedade em relação ao estrangeiro está na recusa de reconhecer o outro e de agir como se ele não existisse, como se o “outro” fosse invisível. Cada um pode questionar se sobre quem são os invisíveis da nossa sociedade? Quando olhamos os que não são como a maioria, os que são estranhos, porque diferentes e lhes negamos a existência, os ignoramos lhes recusamos a possibilidade de construir um mundo comum, feito de acolhimento na hospitalidade da possibilidade de espaços comuns, percebemos que em todas as comunidades humanas há o perigo de haver pessoas invisíveis. A utopia cristã está justamente no desafio de reconhecer a nossa fraternidade inacabada que exige a aceitação da vulnerabilidade do outro, este irmão que a vida me deu, para que se torne o irmão descoberto pelo coração e que é preciosos para mim. (Fil 1,16).
A experiência humana mostra que somos irredutivelmente expostos à vinda do outro, ao encontro com o diferente. Diante do outro que vem a há apenas duas possibilidades, como afirma Derrida (2001), que aquele que vem seja conhecido e esperado e então estamos diante de uma hospitalidade condicional, ou, aquele que vem não é esperado, é até hostil porque estranho, e pede uma hospitalidade incondicional. Esta hospitalidade que acolhe de forma incondicional o outro que vem, o estrangeiro e indeterminado (DERRIDA, 2001, p. 47), torna possível a mútua transformação e a possibilidade da construção comum de um bem partilhado. As realidades de fronteira, com o reconhecimento mútuo da diferença instauram um processo de transformação em que hospedeiro e hóspede são suscetíveis de transformação, correndo o risco de dever revisitar suas identidades e retomar o processo que permite evoluir na construção de um novo modo de ser e estar em sociedade. Esta exposição é a condição da emergência do novo que permite o espaço comum de vida e o crescimento para o hospedeiro mas também para o hóspede (DERRIDA, 2001). Portanto o encontro que se produz na “fronteira” não é o da assimilação mas o da transformação mútua e da emergência do novo. Este novo é o bem comum “um bem árduo de alcançar, porque exige a capacidade e a busca constante do bem de outrem como se fosse próprio” (CDSI, 2018, n.167). Assim se afirma a exposição absoluta e incondicional de uns em relação aos outros, do hospedeiro face ao hóspede, não apenas para se responsabilizar pelo outro, com o risco de lhe impor a sua maneira de ver o mundo, mas de se deixar transformar pela visitação, pela presença do outro, na sua alteridade incondicional.
A fronteira presente no estrangeiro é pois o lugar-comum, a partir do qual todos e cada um, situado, se entende em sua identidade e se abre ao outro diferente embora partilhando o espaço comum, a fronteira comum. O reconhecimento da fronteira que constitui cada um na sua diferença permite o encontro e a relação com o “outro” abrindo ambos à dimensão ética e inaugurando a inteligibilidade, que recusa a possível apreensão conceitual do outro e a sua captura, seja ela emocional, cultural ou religiosa. É o reconhecimento do “espaço – fronteira” que permite aceitar a resistência inerente à diferença e a não possibilidade de assimilação e de integração, instaurando assim o regime da hospitalidade.
3. O Estrangeiro que está no nosso seio
A primeira história de irmãos que encontramos na Sagrada Escritura é tanto uma história de admiração como de competição que vai até à violência e ao assassinato de um irmão (Gn 4,1-10). A aspiração ao reconhecimento de uma identidade própria e valorização do que se é e se traz dentro de si pode despertar o impulso violento que leva à morte o irmão. Podemos afirmar que há uma tensão entre a visão do irmão que fascina e a visão do irmão que deve ser eliminado para que a minha identidade seja reconhecida e afirmada. Caim quer ser reconhecido no que produz e no que pode oferecer e não suporta que a oferta de Abel seja bem recebida por Deus. É a partir desta frustração e da convicção ilusória de que a sua oferta não é recebida por Deus que nasce a intenção de matar o seu irmão. Decididamente a fraternidade não é um dado adquirido é obra da consciência que nos faz consentir e decidir assumir o risco do encontro e de cuidar do outro.
Assim se explica que a relação ao outro, ao estrangeiro é fruto de uma atitude e de uma decisão que deve ser continuamente alimentada por convicções sólidas nascidas da experiência do amor recebido e partilhado. Eis porque passagens bíblicas sobre a relação com o estrangeiro, fazem sempre apelo à decisão ética que nasce da experiência pessoal de sua vulnerabilidade individual e coletiva: “Como o natural, entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-eis como a vós mesmos, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus.” (Lev 19, 34).
Quando a palavra de Deus é dirigida a Caim há três perguntas fundamentais, que exigem a consciência do irmão: Onde estás?- relação consigo mesmo; onde está o teu irmão – relação com o outro; e o que fizeste? – Relação do agir em favor do outro. Esta é uma maneira de dizer que existir diante do irmão é o grande desafio da condição humana e por isso a fraternidade está no centro da construção da Aliança que se celebra com Deus e o irmão. A fraternidade é uma construção inacabada que se realiza na medida em que cada um se posiciona diante do outro, sem medo nem vergonha e aceita fazer o caminho da hospitalidade mútua. Quando isso acontece o estrangeiro deixa de ser estranho, deixa de ser irmão imposto pelas circunstâncias e passa a ser companheiro de viagem para a casa do Pai, onde a partilha já iniciada durante o caminho se torna reconhecimento da fraternidade fundada no dom gratuito do Pai em seu Filho feito pão para o caminho (Lc 24, 13 ss).
Se esta é a utopia à qual a Palavra de Deus nos convida a nossa experiência quotidiana mostra que temos ainda um longo caminho a percorrer. As comunidades cristãs recebem com frequência irmãos de outras latitudes e geografias que ao chegar em determinado lugar não fazem caminho com os irmãos e tendem a constituir “micro comunidades” cujo fundamento e critérios de congregação são tribais ver linguísticos e não mais o critério de pertença é o reconhecimento de uma pertença à fé em Cristo . A presença de irmãos cristãos de outros países e tradições cristãs em um determinado lugar, deveria ser fonte de enriquecimento na diversidade de tradições, espaço da ação do Espírito Santo que faz novas todas as coisas. Mas facilmente surgem comunidades à parte, para eucaristias dos que se reconhecem pela língua ou pertença a um espaço geográfico. As notas eclesiológicas da catolicidade, da universalidade, da fraternidade plural são embrumadas pela necessidade da afirmação identitária que não parte da Aliança, ou da pertença a Cristo. O estrangeiro e a comunidade de acolhimento não fazem o caminho do encontro, mas a justaposição de uma coabitação que não transforma porque o encontro não se realiza. Com efeito, como o afirma Martin Buber, «se vivermos justa-postos, acabaremos o-postos, por isso precisamos ser sempre com-postos, entrar em alguma composição para conviver juntos. Vale lembrar que a existência do “outro” depende de minha capacidade de responder ao seu apelo e à sua fragilidade, é o olhar de uns para os outros, o face à face que permite a experiência da existência diante do outro. As primeiras comunidades cristãs oferecem a todos o exemplo da construção da fraternidade que no Pentecostes passa pela experiência da escuta de uma palavra que é dirigida a todos e a cada um, de modo que todos a escutavam familiar, na sua própria língua, embora oriundos de pontos geográficos diferentes. Quando escutamos a palavra que Deus nos dirige, reunidos e congregados por Ele, podemos escutar e perceber que o seu Espírito nos congrega e nos envia (Act 2, 1-11).
Se o mundo é indiferente diante da tragédia que se abate sobre o estrangeiro marginalizado e invisível, marcado pela negação, porque é sem papéis, sem domicílio, sem identidade, sem dinheiro, sem formação, sem conhecidos, incapaz de se expressar na língua local, portanto sem existência, a comunidade cristã deve ser este espaço onde ele existe, graças ao olhar e à linguagem que os congregados por Cristo faz nascer e existir. Devemos chegar a afirmar com Paulo: “Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos Santos e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem-ajustado, cresce para templo santo no Senhor”( Ef 2,19-21). Só a cultura do encontro permite esta universal pluralidade.
O encontro com o “outro” é radicalmente abertura a uma transformação e à vinda de algo que não se pode dominar nem determinar, dada a vulnerabilidade do “eu” desarmado diante do “outro” e vice-versa.
Conclusão
Nesta reflexão sobre a fronteira como lugar e a fraternidade como um horizonte, à luz do Magistério da Igreja, foi possível perceber a fraternidade que sem abolir as fronteiras e talvez, graças à compreensão da complexidade deste conceito, permite relativizar e redimensionar as fronteiras para dar lugar à construção de uma fraternidade universal. O conceito de “fronteira” convoca à uma reflexão das relações humanas em termos de limites, de identidades, culturas próprias e cosmovisões plurais. Abre a reflexão para que esta integre os sentimentos que nascem diante do novo e do diferente: a insegurança, o medo, o questionamento, hesitações e as dúvidas, não apenas no que diz respeito ao espaço geográfico do “eu” e do “tu”, mas sobretudo em relação ao que ele representa e significa para ambos. O carácter permeável e a constante mutação da realidade sociocultural dos povos permite pensar na construção comum de uma sociedade mais fraterna ao pensar na fronteira como um espaço, um lugar aberto a uma contínua re-significação que supera a geografia e remete a reflexão sobre o ser humano na sua vulnerabilidade e fragilidade. É necessário pensar então no direito, na justiça e na caridade como elementos essenciais na construção de uma sociedade mais fraterna. Uma sociedade que pauta pelo acolhimento, hospitalidade, diálogo e solidariedade. Mas mais globalmente é importante que cada um onde está se coloque ao serviço do bem comum, onde todos são bemvindos e abertos ao fraterno. A abertura à complexidade do conceito “fronteira” para supera a significação espacial e integrar categorias como comunicação, relação de influência e de poder entre outras e a construção constante de significados e de perceções da vida em sociedade, enriquecida pela encíclica Fratelli tutti, permite afirmar que a fraternidade é possível quando a fronteira entre os povos é pensada em termos de espaço dinâmico de trocas e relações culturais, econômicas, religiosas em contínua construção da fraternidade universal, que abre ao imperativo da busca do bem comum. Trata-se de abraçar a utopia da fraternidade unida em sua pluralidade para todos seja irmãos e não estrangeiros. As fronteiras necessárias e importantes, pela organização social e pelas delimitações internacionais, são oportunidade para o diálogo das culturas (FT 136), porque hoje mais do que nunca “ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. A pobreza, a degradação, os sofrimentos de um lugar da Terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente afetarão todo o planeta” (FT 137). ”
A interligação entre os povos, países e a dependência comum para o crescimento de todos é de tal modo evidente que deve crescer a consciência da necessidade de construir a fraternidade universal, para além das diferenças e das fronteiras geográficas ou outras. Com efeito, viver é aceitar um pacto social que busca continuamente “pontos de contacto, lançar pontes, projetar algo que envolva todos” (FT 216). Trata-se de compreender a identidade no respeito pela diversidade aceitando ceder algo de si para colaborar e contribuir no bem comum. (FT 221).
A construção da fraternidade universal passa pela renúncia de algumas tendências do mundo atual onde se verifica a massificação das pessoas, a primazia dos interesses individuais, o isolamento das pessoas e a frágil dimensão comunitária da existência, o que coloca as pessoas numa sociedade de todos contra todos (FT. 12 e 16). Importa adotar um novo modo de ver o mundo, partindo da vocação humana (FT 26) da construção, de um «nós» que habita a casa comum (FT 17). Sejamos comunidades cristãs onde se constrói a comunidade sem estrangeiros entre nós: já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos Santos e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem-ajustado, cresce para templo santo no Senhor!
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