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‘ASSIM COMO O PAI ME ENVIOU, TAMBÉM EU VOS ENVIO A VÓS: RECEBEI O ESPÍRITO SANTO’

Solenidade do Pentecostes – Ano C

Atos 2, 1-11; 1 Cor 12, 3b-7.12-13; Jo 20, 19-23

“Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós: Recebei o Espírito Santo”.

No domingo passado, celebramos a Ascensão do Senhor que, antes de subir ao céu, pediu aos Apóstolos que ficassem juntos e se preparassem para receber o dom que Ele haveria de enviar – “recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós” (Atos 1,8), “… permanecei na cidade, até que sejais revestidos com a força do alto” (Lc 24,49) –, portanto, a descida do Espírito Santo sobre eles, ou seja o Pentecostes.

Deve ter sido uma espera difícil para se descrever. O que teria acontecido? Para os discípulos, tímidos e temerosos como eram, o que significaria a vinda do Espírito Santo? Eis a narração do Pentecostes, aquela manhã, cinquenta dias depois da Páscoa do Senhor: “um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. …línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles… Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas” (Atos 2,2-4). Desde aquele dia, teve início o tempo de testemunho sob ação do Espírito Santo – “Recebei o Espírito Santo” (Jo 19,22) –, tempo da Igreja que começa o seu caminho e não mais se parará: “ele dará testemunho de mim. E vós, também, dareis testemunho” (Lc 15,26-27).

De facto, “cheios do Espírito Santo” (Atos 2,4), os apóstolos, aqueles homens temerosos, que tinham em comum connosco a fraqueza, a hesitação, a vergonha e o medo, se tornaram “outros”, isto é, testemunhas autênticas, audaciosas e entusiastas da Palavra de Deus. Não só deixaram de se esconder por medo de serem indiciados e mortos – pela opinião pública – pelo facto de serem cristãos, mas também se dirigiram às praças, às sinagogas para proclamar a Boa Nova de Jesus, indiferentes às consequências ou perseguições. A este respeito, o Papa Francisco afirmou o seguinte: “o Espírito faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma-os em anunciadores das maravilhas de Deus, … infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contra-corrente” (exort. apost. Evangelii Gaudium, n. 259).

Sendo assim, literalmente, tudo muda e, como pobres homens, o Espírito os faz tornar capazes de grandes coisas, até o martírio. Em outras palavras, receberam o sacramento da Crisma ou Confirmação porque, acolhendo o Espírito Santo nos seus corações, confirmaram a fé recebida no Batismo. Portanto, para além de serem apóstolos, se tornaram soldados de Cristo, isto é, além de difundir a fé, passaram também a defendê-la com palavra e ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1303).

É curioso como Lucas descreve o evento do Pentecostes. Ele se refere explicitamente à teofania de Deus no Monte Sinai (cf. Ex 19,16-19): o trovão, as nuvens, o fogo, elementos que descrevem a solenidade do evento e a presença de Deus, mas que também podem ser relidos numa chave espiritual. O Espírito é trovão e terremoto: nos sacode profundamente, mina as nossas supostas certezas, nos impulsiona a superar os lugares-comuns sobre a fé (e o Cristianismo!). O Espírito é uma nuvem: o nevoeiro obriga-nos a confiar em quem nos conduz para não perdermos o caminho da verdade. O Espírito é fogo, fogo divino, fogo de amor, capaz de transformar, que aquece o nosso coração e ilumina os nossos passos. O Espírito é vento: somos nós que temos que guiar as velas para recolher o impulso e, como cristãos, atravessar o mar da vida!

Pois, o cristão que se deixa conduzir pelo Espírito de Cristo rejuvenesce tudo e faz florescer as diversas situações e instituições. Porque é o Espírito que lhe dá o sentido de novidade. A nossa fé em Cristo não nos torna arqueólogos de uma história do passado, nem megafones de palavras antigas, nem repetidores de gestos e ritos obsoletos e ultrapassados, mas, no Espírito Santo, nos capacita a lembrar e compreender, hoje, essa memória. Sim, há um passado que o Espírito nos lembra, mas há também um hoje para o qual, de novo, o mesmo Espírito nos ensina tudo. Não foi em vão que, do Mestre, os discípulos, escutaram: “Quando ele vier, o Espírito da verdade, vos guiará em toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo quanto tiver ouvido e vos anunciará o que hà de vir” (Jo 16,13).

O Espírito torna-se o anti Babel: se a arrogância dos homens levou à confusão das línguas, a não se entenderem mais, a presença do Espírito nos faz escutar uma só língua, uma só voz, uma linguagem de amor em vez de ódio, de verdade mais que a de mentira, e de paz mais que a de violência e da guerra. Tudo está esclarecido, como disse Bento XVI, “Babel é Babel e o Pentecostes é o Pentecostes. Onde os homens pretendem tornar-se Deus, podem unicamente pôr-se uns contra os outros. Ao contrário, onde estão na verdade do Senhor, abrem-se à ação do seu Espírito que os ampara e une” (Homília, Solenidade de Pentecostes, 27.05.12). Pois, onde havia divisão e indiferença, surgiram unidade e compreensão. Tudo porque o Espírito ensina aquela linguagem que todos podem entender, a linguagem do amor.

É evidente, de tantos homens e povos diferentes, o Espírito faz uma só família, a Igreja, onde cada um, preservando a própria cultura e tradição, não se sente estranho. Mas, superando toda forma de incomunicabilidade e individualismo, abre-se ao diálogo e à troca fraterna de dons que o Espírito distribui com infinita imaginação e abundância. Eis o milagre que o Espírito Santo opera: ele dá uma maneira inesperadamente nova de viver o relacionamento com Deus e com os outros. Proporciona à Igreja e aos cristãos a capacidade de transmitir o Evangelho em “outras línguas”, isto é, com entusiasmo sempre jovem e nas formas mais sensíveis à cultura, às expectativas e às questões do homem de cada tempo e lugar (…). E hoje, mais do que nunca, torna necessário na Igreja um novo Pentecostes.

Por isso, caríssimos, como verdadeiros filhos de Deus e sob ação do Espírito Santo, invoquemo-lo quando não nos entendermos na família, na paróquia, no trabalho. E façamos nossa esta oração tão cara a Santa Teresinha de Jesus: “Vem Espírito Santo, alma da minha alma, ilumina-me, atrai-me, faça-me conhecer a tua vontade e que eu possa segui-la sempre”.