5PascC’2022.
GLÓRIA. AMOR. NOVA TERRA.
(leia: Actos 14,21-27; Apocalipse 21,1-5; João 13,31-35)
Não tinha uma «pedra onde reclinar a cabeça» (Mt 8,18). E, no entanto, deixou à humanidade a mais rica Herança que se possa imaginar, sintetizada num ‘mandamento’: «Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei»! Palavras de intensidade única, pronunciadas pelo Mestre da Vida, pouco antes de morrer — ou melhor, pouco antes de dar a vida, «amando até ao fim» (Jo 13,1). Palavras que são uma verdadeira provocação, num tempo de novas guerras internacionais e de tensões pré-eleitorais nacionais.
O evangelho de hoje transporta-nos, em ‘flashback’, ao cenário onde Jesus pronunciou essas palavras: o Cenáculo, a última noite com seus discípulos, antes de morrer. Essa noite ficou gravada como fogo no coração do evangelista João, que a guardou como um Tesouro, e no-la oferece em cinco longos capítulos (Jo 13—17). Aí, as palavras do Mestre têm o peso de um Testamento! Para que voltemos a elas constantemente. Para que nos lembremos das suas últimas recomendações, as mais importantes — e as façamos vida!
Desse tesouro, o evangelho deste domingo oferece-nos um extracto precioso. Que começa com uma declaração um pouco estranha: «Quando Judas saiu do Cenáculo, Jesus disse aos seus discípulos: ‘Agora o Filho do homem foi glorificado, e Deus foi glorificado nele’». Judas saiu para entregar o Mestre aos seus inimigos. Jesus vai ser preso, processado, torturado, morto…E fala de «glorificação» (por 5 vezes, em 2 versículos!) !…Mas, atenção, a «glória» de Deus não é igual à glória do mundo. Não é o esplendor de um poderoso, de quem tem sucesso, de quem vence os outros, de quem recebe aplausos. Jesus «glorifica» o Pai e é por ele «glorificado» quando manifesta ao mundo o seu Rosto Amoroso, no acto de dar a vida pela humanidade.
Daí que a segunda parte deste discurso seja centrada no amor. As palavras do Mestre fazem-se agora mais densas, cheias de ternura e de urgência: «Meus filhinhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco». Ele sabe que lhe falta pouco tempo para transmitir o seu Testamento, a Herança mais preciosa que os seus deverão testemunhar no mundo: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros». Um Testamento que é, afinal, um Memorial de como ele viveu — e de como havia de morrer!
Tão importante é essa recomendação, que Jesus a chama de «o meu mandamento»! Mas, o amor pode ser um mandamento? Um mandamento não é uma imposição? Não, o amor não é um mandamento; é mais que um mandamento! É um ‘fundamento’: o Amor é o fundamento da vida! Na base da vida está uma Energia Amorosa que, da Fonte, transborda em mais vida, se multiplica na criação. É por isso que todos sentimos que a vida é mais bela, mais plena, cheia de sentido… quando se vive de amor, no amor; quando recebemos e damos amor. «Amai-vos uns aos outros!». Se não, a vencer será sempre o mais forte, o prepotente, o trapaceiro. Se não, a vencer será o egoísmo, a violência, a guerra, a morte…
Ninguém mais do que Jesus de Nazaré viveu intensamente a vida. Toda a sua vida —culminando na morte— foi um hino ao amor! «Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (Jo 13,1). Por isso, diz às suas discípulas e discípulos: envio-vos ao mundo, para serdes sinais visíveis do fundamento da vida: o amor! Esta é a vossa razão de ser. «É nisto que todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros»!
O seu é «um mandamento novo». Não pela formulação, pois o amor ao próximo era uma regra de ouro de muitas tradições filosóficas e religiosas. É «novo» porque é o espelho do amor do Mestre por todos nós, o amor «ágape»: amor incondicional, total. Amor que não é a paga por algo recebido, nem o prémio por algum mérito. É um amor livre, plenamente gratuito — a mais alta forma de amor que jamais foi proposta à humanidade. Um amor que nos assemelha a Deus! Quem ama assim, renasce sempre «novo» das Águas Cristalinas da Fonte da Vida.
Viver esse «mandamento novo» é o maior desafio dos cristãos de todos os tempos. A maioria de nós continua a amar com um amor condicional, que aprendeu do ambiente familiar e social — e que é reproduzido inconscientemente no ambiente eclesial: amamos a quem nos é simpático, a quem se comporta bem. Acabamos amando não de modo livre, mas interessado; acabamos não amando, na verdade!… Talvez por isso o espírito do Evangelho tenha penetrado tão pouco no tecido das relações interpessoais. Talvez por isso a história da humanidade esteja marcada por constantes ciclos de guerra, destruição e luto. O problema é que todos nós trazemos a marca duma ferida primordial (com muitas matizes): a ferida do «desamor». Enquanto não formos conscientes dela e não nos deixarmos curar pelo Amor-Ágape, dificilmente seremos capazes de amar «como Ele nos amou».
Como discípulos do Crucificado-por-Amor, somos convidados a pôr o olhar não nas nossas fragilidades, mas na força d’Aquele que nos «amou até ao fim», e dele receber a energia sanadora do Amor sempre «Novo», porque continuamente emanando da Fonte e gratuitamente doando-se a nós. Então descobriremos que o Amor é a energia mais poderosa do mundo! Com ele, aprenderemos a arte da relação, capaz de construir «um novo céu e uma nova terra», uma «nova Jerusalém». Aprenderemos que esse sonho é possível, se dele participamos com humildade e tenacidade. Certos de que o parceiro principal da obra é Ele: «Eis que Eu faço novas todas as coisas!» (Ap 21: segunda leitura).
(João Pedro Fernandes, CSsR)