2º Domingo da Páscoa
Comentário ao Evangelho
Pe. Salvador Bila
Maputo-Moçambique
«Vimos o Senhor»
Jo 20,19-31
«Vimos o Senhor» é a expressão que serve de juntura entre as duas aparições do Senhor Ressuscitado (cf. v.19 e 26) à comunidade apostólica que se encontrava entreportas com medo das autoridades judaicas. «Vimos o Senhor» é o proto-anúncio pascal da comunidade apostólica ao apóstolo ausente. «Vimos o Senhor», podemos acrescentar, Ressuscitado é o fundamento da fé. Não se trata da visão como sentido, senão Tomé teria razão (cf. v. 25b). trata-se daquela fé que foi capaz de ultrapassar as “provas empíricas” da materialidade. É aquela que se transforma em felicidade, pois experimenta a felicidade do encontro com Jesus ressuscitado e presente no meio da comunidade, dispensando a sua fisicalidade.
A perícope que constitui o evangelho do 2º domingo da Páscoa pode ser estruturada com base na referência temporal (cf. vv. 19 e 26) em duas partes complementares, cada uma com uma espécie de “apêndice”.
A primeira parte (vv. 19-25) narra a “primeira aparição de Jesus na ausência de Tomé”. Essa parte subdivide-se em dois diálogos. O Primeiro é de Jesus com os discípulos reunidos e o segundo é o diálogo dos discípulos com Tomé.
A segunda parte conta a segunda aparição de Jesus aos discípulos na presença de Tomé (vv. 26-31). Esta parte reporta a existência de “outros sinais miraculosos” realizados por Jesus, para além do “sinal das aparições de Jesus” e a finalidade da redacção desta amostra de sinais. (cf. 30-31). A comunidade dos discípulos representa aqueles que mesmo com dificuldades e riscos acreditam em Jesus Ressuscitados, ajudados pela efusão do seu espírito. Tomé representa aqueles que se afastam da comunidade e por isso não são capazes de acreditar. A fé em Jesus como o Messias e Filho de Deus é apresentada como a condição fundamental para ter vida nEle.
Comentemos brevemente a perícope por versículos.
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, com medo das autoridades judaicas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!»
Este versículo apresenta duas referências temporais: ao anoitecer e primeiro dia da semana. A situação é do dealbar de uma nova realidade, como referido na criação do universo e no prólogo de João. Neste anoitecer do primeiro dia, uma nova criação está em progresso. A comunidade dos discípulos deixará de ser uma comunidade medrosa para ser uma comunidade que testemunha; de fechada se torna aberta; deixa de ser uma comunidade sem Jesus para se tornar uma comunidade com Jesus.
20Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o peito. Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor.
O Senhor Ressuscitado é capaz de ler os receios escondidos no coração dos discípulos. Por isso quer logo dissipar as dúvidas. Para isso, apresenta as “provas da crucifixão”. As marcas nas mãos e no peito. A alegria nasce da certeza de que a morte, mesmo dolorosa, foi vencida.
21E Ele voltou a dizer-lhes: «A paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós.»
A segunda saudação é de confirmação de paz, reconciliação, bem-estar, serenidade, proximidade de Deus, vitória do bem sobre o mal. O mandato nasceu do compromisso de continuar a missão começada pelo Crucificado e Ressuscitado. O Filho tem autoridade de enviar aos seus discípulos, Ele mesmo que outrora foi emissário. Tal autoridade advém-lhe de ter amado até ao extremo.
22Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo.
A força da missão não advém do poder dos discípulos. É sim capacitação do Espírito Santo, dom do Ressuscitado, sem o qual não há testemunho nem missão.
23*Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos.»
A comunidade dos discípulos recebe o poder que só a Deus pertence (cf. Mc 2,7). Eles podem salvar ou condenar do perdão ou da retenção dos pecados.
24*Tomé, um dos Doze, a quem chamavam o Gémeo, não estava com eles quando Jesus veio.
Onde estava Tomé? O texto é silencioso. Seja qual for a razão, o facto é que fora da comunidade não se pode disfrutar da presença do Senhor nem das graças da sua presença: a visão do Senhor, a alegria do encontro, a paz, a missão e a recepção do Espírito Santo. Esses são os dons concedidos à comunidade e não a uma pessoa isolada.
25*Diziam-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor!» Mas ele respondeu-lhes: «Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito.»
Tomé, como nós, quer provas tangíveis, sem as quais não acredita.
26Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez dentro de casa e Tomé com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, pôs-se no meio deles e disse: «A paz seja convosco!»
O transcurso de oito dias é metaforicamente o ciclo completo de tempo. O oitavo dia marca o reinício dentro do ciclo do tempo. No oitavo dia, se pode recomeçar. Tomé tem outra oportunidade, resultante do amor paciente e persistente do ressuscitado.
27Depois, disse a Tomé: «Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel.»
Jesus dá a Tomé todas as provas de que ele precisava, para ensinar-lhe a acreditar prescindindo delas. Há mais felicidade quando se acredita sem comprovações.
28*Tomé respondeu-lhe: «Meu Senhor e meu Deus!»
Dadas as provas, Tomé faz a sua declaração de fé. Ele reconhece Jesus como Senhor e Deus. Uma forma pleonástica de reconhecimento do Homem Crucificado com a mesma dignidade e majestade de Deus.
29*Disse-lhe Jesus: «Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!»
A presença de Jesus com as provas da sua crucifixão conseguiu suscitar a fé de Tomé. Mas Jesus declara felizes aqueles que acreditam sem provas. Aqueles que não se deixam derrubar pela dúvida e pela incerteza. A fé deve ser independente de todas as comprovações.
30Muitos outros sinais miraculosos realizou ainda Jesus, na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro.
Os sinais presentes no livro de João são apenas ilustrativos. Há outros que não foram redigidos.
31Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e, acreditando, terdes a vida nele.
A redacção dos sinais de Jesus tem a finalidade de suscitar a fé de que Jesus é o Messias e Filho de Deus e essa vida concede a vida em Cristo.
Conclusão
Esta perícope realça o novo tempo inaugurado pela ressurreição e a aparição de Jesus Crucificado e Ressuscitado à comunidade dos discípulos. Estas aparições, são sinal ilustrativos, entre tantos outros sinais não escritos. Sem Cristo, a comunidade é fechada e medrosa. Com Cristo a Comunidade é alegre, missionária e mártir. Quem se afasta da comunidade dos discípulos, afasta de Cristo e dos seus dons. Nem Cristo, nem a comunidade deve excluir que se afasta. Pelo contrário, é preciso convidá-lo a declarar a sua fé.
A Comunidade dos crentes declara Jesus Ressuscitado com os títulos cristológicos de Senhor, Deus, Messias e Filho de Deus em que ela adquire vida.