Partilha da Palavra de Deus do I Domingo da Quaresma
ANO C
06/03/2022
I Leitura: Dt 26,4-10
O trecho que constitui a I leitura do I Domingo da Quaresma, faz parte da conclusão do segundo discurso de Moisés, iniciado em Dt 5,1. Nesta parte conclusiva, ao mesmo tempo que se faz memória da Páscoa judaica que culminou com o Êxodo (vv. 7-8), são avançadas as motivações teológicas da oferta das primícias, cuja intervenção do oferente é apresentada em forma do discurso directo começando assim: “Meu pai era um arameu errante”, continuando com a narração de todas as maravilhas operadas quando Deus, por livre iniciativa, libertou o seu povo do Egipto, protegendo-o desde o início até ao último inimigo, Amalec (Dt. 25,17-19). A repetição da ordem dada ao oferente “o sacerdote receberá da tua mão as primícias dos frutos da terra” (v.4) e “então colocarás diante do Senhor teu Deus as primícias dos frutos da terra” (v.10), com que se abre e se fecha o trecho da I leitura, pretende evidenciar o facto de que as primícias entregues nas mãos do sacerdote são uma oferta de acção de graças ao Senhor Deus, Criador do Universo e autor de toda a acção portentosa.
Ressaltam-se nesta passagem a memória da dependência total da bondade de Deus, memória esta que redunda no reconhecimento da sua grandeza e acções de graças.
II leitura: Rom 10,8-13
S. Paulo escrevendo aos Romanos faz uma espécie de homilia à volta do cap. 30 do livro de Deuteronómio, de onde cita o v. 14 que reza assim: “a Palavra está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração”. De resto, nos primeiros 8 vv. do cap. 10 de Rm encontra-se este uso livro do referido Dt 30. Os temas da fé, da palavra e da salvação são objecto principal da interpretação paulina do trecho, a tal ponto de Paulo aplicar a Cristo o sintagma “Palavra da fé” “em grego: rhēma tēs písteos” (v. 8). A pretensão de Paulo é mostrar que é da pregação da Palavra de Cristo (cfr. Rm 10,17) que se gera a fé em Cristo, que uma vez acolhida, com todas as suas consequências oferece a salvação. À diferença de “logos” que também significa “palavra”, em grego, rhēma sublinha a concretização dessa palavra que neste caso se identifica com a fé em Cristo.
Evangelho: Lc 4,1-13
Depois do seu Baptismo e antes da sua vida pública, Jesus “cheio do Espírito Santo/levado pelo Espírito Santo” (vv. 1) retira-se no deserto para jejum e oração, práticas estas recomendadas para todo o cristão especialmente neste tempo da Quaresma. É nesse contexto que Jesus é tentado pelo diabo, recapitulando desse modo as tentações no Povo de Deus no deserto durante os 40 anos de Êxodo. Assiste-se então a uma disputa de citações bíblicas: À primeira tentação na qual o diabo propõe a Jesus para transformar as pedras em pão, Jesus responde com uma passagem de Dt 8,3: “não só de pão vive o homem”, subentendida a úlitma parte da citação “… mas de toda a Palavra que saí da boca de Deus”. Impressionante na primeira e na terceira tentação é o facto de o diabo usar o título de “Filho de Deus”, já proclamado aquando do Baptismo, como se ele (o diabo) tivesse assistido ao Baptismo de Jesus.
A segunda tentação é relativa ao poder temporal que alegadamente o diabo daria a Jesus se este o adorasse, ao que Jesus responde com Dt 6,13 que preconiza adoração apenas a Deus. Jesus sabe muito bem que o poder de satanás é ameaçado (Lc 10,18) e a sua duração é breve (22,53), por isso que Ele aguarda o poder que lhe virá do Pai (cfr. 10,22; 22,29).
A terceira tentação é relativa ao protagonismo de se atirar do pináculo do Templo, ao que Jesus responde recorrendo a Dt 6,16, onde vem escrito: “Não tentarás ao Senhor teu Deus”.
A apresentação das tentações de Jesus, na liturgia da palavra do I Domingo da Quaresma, ao mesmo tempo que pretendem resumir as tentações que o Senhor Jesus teve que enfrentar durante a sua vida na terra, previnem o cristão sobre as tentações que muitas vezes se manifestam precisamente numa altura em que a Igreja nos convida a viver mais intensamente o jejum, a oração e caridade. As leituras nos exortam a que só a escuta e a prática da Palavra de Deus podem-nos livrar das tentações de todo o tipo, especialmente no nosso caminho quaresmal.
Diocese do Guruè, Moçambique