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Seguiram-no no seu caminho

Leia: Isaías 6,1-8;  1Coríntios 15,1-11;  Lucas 5,1-11

Tinham tudo para estar tranquilos na vida: uma casa, uma família, uma pequena empresa pesqueira. Tinham amigos, companheiros de trabalho e a sinagoga, onde celebravam comunitariamente a fé. E, de repente, aquele mestre itinerante de Nazaré passa e muda a sua história. «E eles, deixando tudo, seguiram Jesus».

O Mestre, que, na perícope anterior do evangelho (4º domingo), foi rejeitado e ameaçado de morte pelos conterrâneos de Nazaré, passou decididamente «pelo meio deles, e seguiu o seu caminho». Tinha urgência em caminhar, terras a calcorrear, corações a encontrar… O que acontece sobretudo pelo caminho, em casa, à entrada ou à saída das cidades, à beira-mar ou no campo — aí onde as pessoas vivem, convivem, trabalham. O caminho de Deus enxerta-se no caminho do homem. E se torna um itinerário de vida, de humana plenitude. Quando nos deixamos encontrar por Jesus, a vida recobra sentido, ganha uma nova missão. Como acontece aos pescadores do evangelho de hoje, à beira-mar. (Um texto rico de imagens, metáforas, simbolismos.)

O Mestre encontra-os vazios, como vazias estavam suas redes. Tinham tido uma noite de pesca estéril. Ocupam-se agora do trabalho ‘inútil’ de limpar as redes, sabe Deus com que humor. Como eu, como tu, como qualquer ser humano, em momentos de crise, de vazio, quando nos sentimos estéreis… É então que o Senhor vem ao nosso encontro.

Vem, não como patrão, mas como quem precisa de nós: «Subiu para a barca de Simão e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra». Literalmente, o texto diz: «entrou» na barca de Simão. Jesus vem para «entrar» na nossa barca, na nossa vida — e fazer-nos sair da nossa zona de conforto, do nosso modo habitual de viver. Para nos abrir a novos horizontes, a possibilidades impensadas. Para tal, é necessário afastar-nos das vozes ruidosas das margens, para podermos ouvir com clareza, no centro de nós mesmos, a voz da Vida, do Mestre. Que nos chama a sair do rotineiro, do ‘seguro’, para irmos em profundidade, como desafiou a Simão: «Faz-te ao largo (literalmente, ‘vai ao profundo’), e lança as redes».

Qualquer pescador daquele lago sabia que não se pescava de dia; menos ainda em mar profundo, pois os peixes estão fora do alcance das redes: «Mestre, andámos na faina toda a noite, e não apanhámos nada». É um gesto de extrema confiança, contra o ‘bom senso’, o que pede Jesus a Simão Pedro.  A Palavra de Jesus (o Evangelho) desafia constantemente o nosso ‘bom senso’, as nossas ‘seguranças’: Como se pode amar os inimigos? Como se pode resistir a uma oferta de corrupção irrecusável? Como é que uma mãe pode levar uma gravidez de risco até ao fim, em vez de seguir a via ‘segura’ do aborto? Como é que um governante/deputado pode renunciar às suas benesses, em favor de seu povo empobrecido, desumanizado?…

«Mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes». Porque Tu o dizes, aceito o risco de «seguir o teu caminho» — caminho de humana plenitude! E o impensado acontece: «Apanharam uma tão grande quantidade de peixes, que as redes começavam a romper-se». O novo só pode brotar em mim, quando aceito que o velho (em que ponho as minhas seguranças) morra em mim.

Diante disso, Pedro fica assombrado: «Senhor, afasta-te de mim, que sou um homem pecador!» Sente-se nu, na sua humana pobreza, pequeno demais para ‘tocar’ o divino que o envolve nesta experiência. Também Isaías se sente «pecador» («homem de lábios impuros»), ao fazer a experiência de Deus no templo de Jerusalém (1ª leitura). Paulo sente-se indigno («abortivo», «o menor dos apóstolos») diante da enorme missão que lhe foi confiada (2ª leitura). Quanto mais alta é a responsabilidade —religiosa, civil, de outro tipo—, tanto maior deve ser a humildade de quem a recebe. Só então está pronto para a missão. Porque sabe que não é ele o centro, mas Deus. «Isto tocou os teus lábios: desapareceu o teu pecado», diz o anjo a Isaías. O profeta agora está pronto: «Eis-me aqui: podeis enviar-me!»

O Mestre confia a Pedro —a ti, a mim— uma nova missão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens» (literalmente, «apanharás homens vivos»): ajudarás as pessoas a passarem das situações de morte para a vida (o mar, com seus abismos e águas revoltas, era símbolo bíblico das forças de morte). Sairás de ti, ao encontro dos que estão à margem da vida: os excluídos, os últimos, os sem esperança. Ao encontro dos que andam errantes, perdidos, desorientados. Para lhes testemunhar a Boa Notícia do Amor Compassivo de Deus, que nos tira da morte, nos resgata do mal e nos faz passar à vida plena.

Sentes-te pequeno diante dessa missão? «Não temas»! Não temas o teu passado, a tua fragilidade, as tuas feridas. Sustenta-te a Graça, o Amor de Deus gratuito e surpreendente, a sua Energia libertadora do mal. «É pela Graça de Deus que sou aquilo que sou!», diz Paulo da sua inesperada condição de apóstolo. O importante é que a Graça «não seja inútil», que encontre em nós um coração receptivo, que se deixe trabalhar.

«E eles, reconduzindo os barcos para a terra, deixaram tudo e seguiram-no». Seguiram-no no seu caminho. Atrás do sonho que ele semeou em seus corações: viver plenamente! Seguiram-no, aprendendo a semear sonhos de humana plenitude noutros corações.

Seguimo-lo também nós?…