XXIX Domingo do Tempo Comum – Ciclo B
Comentário sobre Is. 53,10-11; Sal 32; Hb 4,14-16; Mc 10,35-45
Saudações em cristo Jesus.
A palavra de Deus neste XXIX Domingo do tempo comum, chama a nossa atenção para o mistério da cruz de Cristo. As leituras que a liturgia nos oferece hoje vão precisamente nesta direcção, falam-nos do serviço que se realiza depois de derrubar as nossas convicções e certezas humanas, depois de ter empreendido o caminho da mudança: o do servo sofredor…
A primeira leitura, extraída do quarto Carme do Servo sofredor do profeta Isaías, fala-nos de um homem justo que «oferece a sua vida em expiação», isto é, que participa no desígnio de Deus para purificar os pecados dos homens. O Servo do Senhor, profetiza o caminho que será escolhido pelo Messias para salvar a humanidade. Ele não se apresentará como um dominador, mas como um servo que “se oferecerá como sacrifício de reparação” pelos pecados do povo. Ele percorrerá o caminho do “tormento”, que é o caminho que realiza “a vontade do Senhor”; e só neste caminho “verá a luz” e “justificará a muitos”, porque “levará sobre si as suas iniquidades”. Em suma: o Messias justificará, isto é, salvará a humanidade porque se oferecerá em sacrifício, assumindo os pecados dos homens e para libertar a humanidade do pecado e da consequente condenação. O profeta Isaías, a referência é explícita e direta ao futuro Messias que ficará prostrado na dor. Ele se oferecerá em sacrifício reparador, verá descendência, viverá muito tempo, a vontade do Senhor se cumprirá através Dele”. O chamado à redenção do gênero humano meditando no sacrifício da cruz é antecipado nos famosos poemas de Isaías sobre o Servo de YHWH, tocado pelo sofrimento, não como um fim em si mesmo, mas destinado à salvação. Ele, de facto, “depois do seu tormento íntimo verá a luz e ficará satisfeito com o seu conhecimento; o meu servo justo justificará a muitos, levará sobre si as suas iniquidades”. Este texto está entre os mais citados do Antigo Testamento em referência ao mistério da paixão e morte do Senhor na cruz.
O salmo 32, invoca a conversão…, pois que recta é a promessa de Deus. A conversão passa pelo direito e a justiça. Diante do sofrimento, o nosso escudo e a nossa auxilio é Deus, que vem ao encontro da nossa fragueza. Deus perdoa os nossos pecados e transgressões e justifica o nosso arrependimento.
Na carta aos Hebreus encontramos o convite a confiar-nos a Jesus Cristo, o sumo sacerdote, capaz de compreender as nossas fraquezas, tendo-as vivido Ele mesmo com excepção do pecado, e de receber misericórdia e ajuda nos momentos de necessidade. O texto anuncia que a profecia de Isaías se cumpriu em Jesus: Ele é o sumo sacerdote que se ofereceu em sacrifício pela salvação da humanidade. “Participou da nossa condição humana” e “foi testado” através da paixão e da morte na cruz. Por isso sabemos que podemos aproximar-nos Dele «com plena confiança» «para receber misericórdia e encontrar graça». Com outras palavras, o autor da carta aos Hebreus confirma que a salvação profetizada por Isaías foi alcançada pelo salvador. A missão de Cristo e à sua paixão e morte na cruz é uma coisa certa. Completando esta referência à paixão e morte na cruz de Jesus está o texto do Evangelho de São Marcos, que nos apresenta uma cena inusitada Dois discípulos de Jesus.
O trecho do santo evangelho de São Marcos apresenta-nos Jesus Cristo que confirma esta verdade aos apóstolos: a Salvação vem através do sacrifício e não através da glória. A inspiração lhe é dada pelos dois irmãos, Tiago e João, que, ansiosos por uma carreira, pedem ao Mestre lugares. Poderíamos descrever o pedido como os ministérios mais importantes no futuro governo do seu Reino. Jesus responde explicando: a autoridade no seu Reino reside em “beber o cálice” que o próprio Jesus bebe, isto é, participar da sua paixão. Os dois irmãos respondem que estão prontos. E Jesus admite que sim, eles podem beber. Mas explica uma segunda coisa: os cargos de responsabilidade no seu reino são dados por Deus de acordo com o seu plano gratuito; Jesus explica que no Reino de Deus vigoram lógicas diferentes das humanas: a grandeza não reside em comandar, mas em servir. Esta é a lógica de Deus, a lógica de Jesus Cristo, que veio para servir, dando, na cruz, «a sua vida em resgate de muitos». A salvação vem através da cruz, como foi predito por Isaías e depois explicado pela carta aos Hebreus. No germe do Reino de Deus, que é a Igreja, o único poder verdadeiro deve ser sempre o de servir e de dar a vida por Deus e pelo seu povo. Seguir o caminho de Jesus Cristo é sofrer. Hoje encontramos Jesus que anunciou a sua paixão pela terceira vez, mas os seus discípulos ainda estão convencidos de que Ele, o Messias, está destinado a tornar-se rei; os mais próximos Dele, tentam assegurar uma posição de prestígio, despertando o descontentamento de outros que, em última análise, aspiravam às mesmas coisas. O cálice e o baptismo mencionados por Jesus são premonições do seu destino de morte e sofrimento que em breve terá que enfrentar, os discípulos também declaram-se dispostos a seguir esse caminho, e a história nos diz que isso acontecerá, mesmo que não o tenham feito.
Sentimos a tentação do poder dentro de nós, na nossa vida quotidiana: na família, nas nossas comunidades, no nosso compromisso educativo, nas relações sociais, na nossa vida profissional, nas tarefas que nos são confiadas. Abusos de poder são fáceis. Exigir dos outros o que queremos, em vez de construirmos juntos o bem de todos, é a substância sutil do que queremos dizer quando falamos da tentação do poder. Todos somos afetados, em certa medida, por esta mentalidade e esquecemos muitas vezes que o exercício do poder, da carreira, da superação dos outros.
O ponto forte do texto evangélico que lemos é este: “O filho do homem veio para servir e dar a vida pelos homens”. O cristão deve lidar continuamente com a figura de Jesus. A fidelidade ao Evangelho mede-se nesta ambição, isto é, na coragem de colocar a própria vida ao serviço do bem comum.
O que é o Cristianismo? É um caminho para o poder ou um caminho para servir? Neste mês de Outubro, estamos viver o clima da Igreja em Sinodo: COMUNHÃO, PARTICIPAÇÃO E MISSÃO. O objetivo principal da missão e presença de Jesus no mundo é servir a causa dos mais fracos, que são os primeiros destinatários do Reino. Também ser Igreja significa caminhar ao lado da humanidade, especialmente daqueles que se encontram excluídos de qualquer programa de solidariedade. Não é, portanto, uma escolha sócio-política que nos leva, como cristãos, a assumir as necessidades dos mais pobres, mas uma escolha inevitável ligada ao anúncio do Evangelho e ao seguimento de Jesus. Ser missionários não significa apenas partir para outras terras anunciando o Evangelho, rezando por aqueles que escolheram esta missão, arrecadando fundos, mas também compreendendo e conhecendo as situações, as causas que geram a marginalização, a pobreza, as guerras, as migrações e criando uma mentalidade que leva à mudança e a um clima de acolhimento e proximidade; Ser cristão significa viver servindo aos outros, sem aspirar a nenhuma carreira. O estilo cristão é a lógica da gratuidade que nasce da fé. Ela, pode ser comparada a um rebento pequeno, bonito, mas pequeno e frágil; este dom precisa de um ambiente que o ajude a crescer para poder superar as dificuldades e permanecer firme, especialmente nos momentos de provação. O problema da fé é vivê-la na vida quotidiana, nas escolhas, na coerência entre o que professamos com palavras e as acções que conseguimos realizar.
O cristão diante da dor humana leva-a a sério, percebendo que Deus, pode encontra-Lo também ali, não à brincadeira; a dor deve ser compreendida mesmo nas situações mais complexas, e para isso é sempre necessário colocar-nos no lugar do outro, isto é, na sua história para além da ideologia, mas também para além de uma determinada teologia; deve ser captado nos dramas da solidão, nos dramas das mulheres abandonadas, marcadas por um parceiro ciumento, nas mulheres que não conseguem continuar a gravidez, nos filhos jogados de um para o outro porque perderam ambos os pais. A dor humana deve ser respeitada e venerada, como o Pão que se conserva nos sacrários das nossas igrejas.
Jesus continua a responder ainda hoje que não há primeiro ou segundo lugar, direita ou esquerda no céu. Vamos ao céu por uma resposta de fé, amor e esperança Nele que é a salvação eterna. Ninguém vai por recomendação ou por reserva de lugares. Em suma, na lógica do evangelho, quem quiser tornar-se grande deve tornar-se servo de todos. Servir é um verbo difícil de conjugar no nosso tempo, muitas vezes desprovido de amor verdadeiro, mas cheio apenas de interesses. Amar e servir e não comandar e ser servido. A única maneira de não haver mais mestres neste mundo é todos servirem a todos. Por isso, na Igreja que ninguém fosse rotulado; ninguém fosse descartado.
Por acaso temos atitudes de aspereza, desdém, raiva, gritaria, calúnia, malignidade? Como reagimos? já passamos por momentos de desânimo, cansaço, decepção, depressão? Sem apagar esses momentos, tentemos reconstituí-los, numa viagem de conversão?
Desejo a todos e todas um abençoado final de semana.