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Sangue de aliança, vida doada

Corpo e Sangue de Cristo
(leia: Êxodo 24,3-8; Hebreus 9,11-15; Marcos 14,12-16.22-26)

Aproximava-se a Páscoa judaica. A última que Jesus celebraria com os seus discípulos. O Mestre tinha consciência de que a sua vida sobre a terra caminhava para o fim. Os choques com os fariseus e com as autoridades religiosas (principais sacerdotes e ‘anciãos do povo’) faziam pressentir a chegada dessa hora. Por isso, a última refeição pascal com os seus amigos íntimos será carregada de significado.

A Ceia Pascal judaica era mais que uma ceia. Era um ‘memorial’: tornava ‘presente’, a cada ano, os eventos da libertação do Egipto e da Aliança com Javé-Deus no Sinai. Eventos que constituíam ‘fundação’ do Povo de Israel. Elemento central da Ceia era o cordeiro. Previamente imolado no templo (= oferecido a Deus em sacrifício), era depois consumado, em família, com outros elementos simbólicos: pão ázimo (lembrando a saída apressada do Egipto e a vida nova, sem o fermento do passado), ervas amargas (recordando o tempo duro da escravidão), vinho (simbolizando a alegria pela libertação e entrada na Terra Nova).

A Ceia Pascal ‘fazia memória’, para recordar a cada israelita que Javé se tinha colocado ao lado do seu Povo, o tinha amado e libertado. Tinha estabelecido com ele uma Aliança: Deus era ‘aliado’ de Israel! (Veja a bela descrição da Aliança na 1ª leitura de hoje: Êxodo 24,3-8. O sangue é símbolo da vida. A Aliança é um compromisso vital entre Javé e Israel.) A Ceia era uma refeição festiva, com forte simbolismo. Porém, uma refeição em que a alegria não era plena. A história de Israel estava marcada por decepções, deportações, exílios, novas escravidões. Os justos e sábios entre o povo diziam que isso se devia às infidelidades de Israel à Aliança. Os profetas tinham já anunciado que Deus ia estabelecer uma nova aliança com o seu Povo.

Com esse pano de fundo, Jesus come com os amigos íntimos a última Ceia Pascal. Que será a primeira Ceia de uma Nova Páscoa. Nela, o Mestre antecipa simbolicamente o dom maior que jamais fez: o dom da própria vida. Não há, nesta Ceia, referência ao cordeiro. Porque é ele mesmo, Jesus: «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1,29). Pão e vinho ganham novo significado. Gestos e palavras falam de outra Páscoa, a Nova: «Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o, dizendo: ‘Tomai, isto é o meu corpo’». Partiu o pão e o deu, assim como viveu: toda a sua vida foi um repartir-se, um dar-se pelos outros! «Depois, tomou o cálice, deu graças e entregou aos discípulos, dizendo: ‘Este é o meu sangue, sangue da Nova Aliança, derramado pela multidão dos homens». Entregou o cálice, deu o vinho-sangue, como viveu: derramando todo o seu amor, para fecundar de esperança a vida da humanidade.

«Fazei isto em memória de mim» (1Cor 11,25). Quando celebramos a Eucaristia, quando partimos entre nós o Corpo do Senhor, quando bebemos do seu Sangue, fazemos memória da sua morte. Uma morte chamada Dom, Entrega. Mas fazemos memória sobretudo da sua paixão pela vida. Ele aceitou morrer para que em nós renascesse vida plena.
Tomai, comei, vivei de mim! Tomai, bebei, vivei em mim!
Nesse Pão e nesse Vinho está presente toda a vida de Jesus: o presépio,
a carpintaria, os caminhos da Galileia; a cura dos doentes, a atenção aos pobres,
o acolhimento dos pecadores, o abraço às crianças; a oração ao Pai, o drama
da Cruz…
… a Ressurreição!

Agora, pode ter lugar uma Aliança Nova. Não só com Israel, mas com «a multidão dos homens», com toda a humanidade. Ela se funda no dom de vida de Jesus de Nazaré, Homem plenamente divino, Deus plenamente humano. Celebrar a Eucaristia, participar do Corpo e Sangue de Cristo é entrar nessa Nova Aliança, nesse novo estilo de vida: vida entregue, vida doada. Em cada gesto de amor, de perdão, de dedicação, eu ‘faço memória’ do Dom que Jesus foi. Eu me ‘faço’ Corpo e Sangue de Cristo, que habita em mim pelo seu Espírito. Em cada afago, cada abraço, cada lágrima enxugada, eu ‘faço presente’ a Nova Aliança entre minhas irmãs e irmãos de humanidade.

Todas as vezes que levamos o Corpo (e Sangue) de Cristo em procissão, pelas ruas de nossas cidades e aldeias, queremos dizer: Eu creio, Senhor, que continuas a caminhar entre nós, como caminhaste pelas estradas da Palestina. Eu creio, Jesus, que a tua foi uma vida plenamente humana — que culminou no dom total de ti, na morte. Morte luminosamente divina! Eu creio, Jesus, na Aliança Nova que, em ti, Deus enlaçou com a nossa frágil humanidade. Eu creio que, apesar das nossas debilidades, estamos todos chamados a entrar nessa Aliança, lutando, cada dia, por um mundo mais irmão.