Terminado o tempo do Natal, a liturgia da Palavra convida-nos a refletir sobre os desafios da missão pública de Jesus, qual protótipo da nossa missão cristã neste nosso mundo enfermo e frágil. ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor’. Dito isto, Jesus enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. ‘Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele’. E Ele ‘começou, então, a dizer-lhes: cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir’. (Lc 4, 16-22). Como bom israelita, Jesus aprendeu com seus pais a frequentar o templo aos sábados para alí poder ‘ensinar com autoridade e não como os escribas’ (cf. Mc 1, 21-28, ver tb Lc 2, 41-52).
A fama de Jesus continua a divulgar por toda a terra, porquanto tudo o que Ele diz se realiza: ‘Que vem a ser isto? Uma nova doutrina, com autoridade, que até manda nos espíritos impuros e lhe obedecem’ (cf. Mc 1, 21-28) O Evangelho de hoje também nos diz que Jesus sai da sinagoga, na companhia dos discípulos que Ele próprio ‘chamou’ pelo nome e eles, deixando tudo (família, redes….), ‘seguiram-no’ (cf. Mc 1, 14-20; ver tb, Jo 1, 35-42). Jesus vai com eles à casa de Simão Pedro e André e encontra a sogra de Pedro doente com febre. Acontece neste lugar um episódio muito simpático, muito bonito mas também cheio de significado teológico em que sobressai simbolicamente toda a missão de Jesus.
Jesus toma a sogra de Pedro pela mão, ajuda-a a levantar-se. Esta mulher curada põe-se a servi-los, começa imediatamente a trabalhar, a estar à disposição dos outros. Há tanta doçura, compaixão, amor e misericórdia neste acto simples, que parece quase natural. De Facto, o Evangelho deste domingo apresenta-nos Jesus que se aproxima de muitos doentes e endemoniados. Depois da sogra de Simão Pedro, Ele cura, todos os enfermos de Cafarnaum, provados no corpo, na mente e no espírito e expulsa numerosos demónios» (cf. Mc 1, 34), pois, para Ele «não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos» (cf. Mc 2, 17).
O Verbo eterno não se valeu da sua igualdade com Deus, mas fez-se carne e habitou entre nós, humillhou-se, aniquilou-se a Si próprio, abedecendo até à morte e morte de cruz’ (cf. Jo 1, 1.28; Filp 2, 1.11); ‘suportou as nossas enfermidades e tomou sobre Si as nossas dores’ (cf. Is 53, 4-12; 1 Ped 2, 24). Por isso, a cura a sogra de Pedro tem, como já dissemos, um significado profundamente teológico. O Verbo de Deus se curva, toma pela mão e levanta toda a humanidade mergulhada na dor e no sofrimento. Esta realidade já está pré-anunciada na situação de Job amargurado, desiludido e desilusão, deseperado que se dirige ao Senhor como a sua única esperança de salvação (cf. Job 7,1-
4.6-7).
A realidade que vivemos hoje no mundo inteiro torna particularmente atual a mensagem central deste domingo. Jesus, vindo do Pai, vai à nossa casa comum e encontra uma humanidade doente, doente com febre, com aquela febre que são as ideologias de ‘género’, a nova e cruel versão da adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) que se reflecte no fetichismo do dinheiro e na inteligência artificial sem rosto e na ditadura duma economia, sem um objectivo verdadeiramente humano; numa palavra, no esquecimento de Deus.
O Senhor dá-nos a sua mão, levanta-nos e cura-nos. E faz isto em todos osséculos; pega-nos pela mão com a sua palavra, e assim dissipa a obscuridade das ideologias, das idolatrias. Toma a nossa mão nos sacramentos, cura-nos da febre das nossas paixões e dos nossos pecados mediante a absolvição no sacramento da reconciliação. Dá-nos a capacidade de nos erguermos, de estarmos de pé diante de Deus
e diante dos homens. O Senhor encontra-se connosco, guia-nos pela mão, eleva-nos e cura-nos sempre de novo com o dom da sua palavra, com o dom de si mesmo.
Desde o início Jesus mostra a sua predileção pelas pessoas que sofrem no corpo e no espírito: é uma predileção de Jesus, aproximar-se das pessoas que sofrem tanto no corpo como no espírito. É a predileção do Pai, que ele encarna e manifesta com obras e palavras. Esta acção de Jesus que consiste em levar a ternura de Deus à humanidade sofredora, tem de ser continuada pelos seus discípulos. Por isso, Jesus foi com eles à casa da sogra de Pedro que estava com febre. Os seus discípulos foram testemunhas oculares disto, viram-no e depois testemunharam-no. Jesus não queria que eles fossem meros espectadores da sua missão: envolveu-os, enviou-os, deu-lhes também o poder de curar
os doentes e expulsar os demónios (cf. Mt 10, 1; Mc 6, 7). E isto continuou sem interrupção na vida da Igreja, até hoje. Para a Igreja, levar a ternura de Deus à humanidade que sofre, cuidar dos doentes de todos os tipos não é uma “atividade opcional”, não! Não é algo acessório, não! Cuidar dos doentes de todos os tipos é parte integrante da missão da Igreja, tal como o era da missão de Jesus.
‘Louvai o Senhor, que salva os corações atribulados’ (cf. Salmo 146 (147). A doença é uma condição tipicamente humana, na qual experimentamos em grande medida que não somos auto-suficientes, mas temos necessidade dos outros. A doença pode ser um momento salutar, no qual podemos experimentar a atenção dos outros e oferecer a nossa ao próximo! Todavia, ela é sempre uma prova, que pode tornar-se também longa e difícil. Quando a cura não chega, e os sofrimentos se prolongam, podemos permanecer como que esmagados, isolados, e então a nossa existência deprime-se e desumaniza-se. Como devemos reagir a este ataque do Mal? Certamente, com as curas apropriadas — nestas décadas a medicina fez grandes progressos, e por isso estamos gratos — mas a Palavra de Deus ensina-nos que há uma atitude decisiva e fundamental, com a qual enfrentar a enfermidade, e é a da fé em Deus, na sua bondade.
Assim, no meio da aflição, Job não desanima; dirige-se a Deus com confiança. ‘A confiança nos conduz ao Amor; liberta-nos do temor; ajuda-nos a desviar o olhar de nós mesmos; permite-nos colocar nas mãos de Deus aquilo que só Ele pode fazer’ (cf. Francisco, C’est la confiance, 45). A infina confiança em Deus, a fé, foi sempre a condição exigida por Jesus para a realização dos milagres. Por isso, Jesus disse sempre às pessoas que Ele curou: ‘A tua fé te salvou’! (cf. Mc 5, 34.36). Até diante da morte, a fé pode tornar possível aquilo que, humanamente, é impossível. Mas fé em quê? No amor de Deus. Eis a verdadeira resposta, que derrota radicalmente o Mal. Assim como Jesus enfrentou o Maligno com a
força do amor que lhe vinha do Pai, também nós podemos enfrentar e vencer a prova da doença, conservando o nosso coração imerso no amor de Deus.
Na segunda leitura, Paulo nos diz que o amor deve ser o princípio fundamental que guia cada um dos nossos passos. Foi por amor que ele se fez servidor do Evangelho, sem exigir nada de ninguém, suportando terríveis sofrimentos: ‘Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível. Com os fracos tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo’ (cf. 1 Coríntios 9,16-19.22-23). É de acordo com este princípio do amor, misericórdia, compaixão e gratuidade que os discípulos de Jesus devem viver.
‘A infinita confiança em Deus faz desabrochar as rosas e espalha-as como um transbordar da
superabundância do amor divino. Peçamo-la como dom gratuito, como valiosa prenda da graça, para que se abram na nossa vida os caminhos do Evangelho’ (cf. Francisco, C’est la confiance, 45) que temos
o dever de anunciar gratuitamente. Que a Santíssima Virgem nos ajude a sermos curados por Jesus para que possamos ser testemunhas da ternura regeneradora de Deus no nosso mundo doente com febre.
Amen!
Pe. Dr. José Brinco
Director
CENTRO DIOCESANO DE
DOCUMENTAÇÃO E ACTUALIZAÇÃO
(D. Armando Amaral do Santos)