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Recebei como herança o reino que vos está preparado

Na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, a Liturgia da Palavra fala-nos do Reino de Deus, realizando e aplicando à pessoa de Cristo duas imagens significativas: a do bom Pastor, no Livro do profeta Ezequiel e a do Rei, no Evangelho de São Mateus. A realeza de Jesus está ligada ao ato de pastorear e ao de ser juiz supremo.

Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas
A primeira Leitura apresenta com clareza a imagem bíblica do Bom Pastor e faz-nos contemplar a bondade, a ternura e a misericórdia que ele tem para com os homens. A sua preocupação fundamental é o bem-estar do seu rebanho e o seu papel fundamental é conduzi-lo para um lugar seguro. É ele próprio que toma a iniciativa: Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas. Ele próprio intervirá para reorganizar a comunidade que lhe é fiel, afastando-a dos maus pastores, e virá cuidar pessoalmente de cada um dos seus. Ele será para os seus eleitos como o pastor que ama o seu rebanho e permanece continuamente no meio dele. Irá buscar as ovelhas onde quer que estejam dispersas e reconduzi-las-á às pastagens verdejantes. Passará por elas uma a uma, aperceber-se-á das necessidades de cada uma: curará a doente, enfaixará a ferida, reconduzirá ao redil a que se extraviou, mas também não esquecerá a gorda e a forte.

Jesus, no Novo Testamento, apresenta-se também como bom pastor: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua vida pelas ovelhas”. Ele é o verdadeiro pastor, que não só nos guia rumo à vida, que não só vem à nossa procura cada vez que nos perdemos, mas que até mesmo já deu a sua vida para cumprir a vontade do Pai, que é a plenitude da comunhão pessoal com Ele e a reconquista da fraternidade entre nós, ferida mortalmente pelo pecado. Ele apascentará todos com justiça, e para todos pronunciará o seu julgamento, separando as ovelhas dos cabritos. É por isso também que a sua realeza está ligada ao juiz supremo.

Todas as vezes que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes

Esta página evangélica encerra o discurso escatológico, sobre a vinda do Filho do Homem, com uma descrição grandiosa da cena do juízo final (vv. 31-46) revelando-nos assim o verdadeiro rosto de “Cristo Rei”. O drama do julgamento desenrola-se em dois momentos, precedidos por uma introdução (vv. 31-33) que apresenta a vinda gloriosa do Filho do Homem – Rei do Universo – a convocação dos povos e a sua separação. Como vimos, a imagem do rei que julga no trono mistura-se com a do pastor que vigia e guarda o seu rebanho, fazendo com que o texto adira plenamente à mensagem bíblica do Antigo Testamento. Destaca-se também a oposição entre os dois grupos relacionados com o rei que se senta no trono: os que estão à sua direita e os que estão à sua esquerda. Oposição que será retomada e pontuada no final do trecho com a “bênção” para os primeiros e a “maldição” para os segundos; com a entrada no reino “preparado para vós desde a criação do mundo” para os primeiros, e com o abandono no fogo eterno “preparado para o diabo e seus anjos” para os segundos; com a identificação dos primeiros com “meus irmãos mais pequeninos” e com a apresentação lapidar dos segundos chamados “aqueles”.

A motivação para a participação no Reino enumera apenas as obras de misericórdia para com o próximo que tem falta de alimento, de vestuário, de habitação, que é prisioneiro, estado para o qual foi muitas vezes conduzido pela miséria. As obras de misericórdia são enumeradas porque cumprem as exigências do grande preceito do amor, que abrange toda a Lei e os profetas. Sem este “amor”, também a fé não tem valor.

Jesus, como rei, interpela os seus discípulos acerca do amor que partilharam com os irmãos, sobretudo com os pobres, os débeis, os desprotegidos. “A questão é esta: o egoísmo, o fechamento em si próprio, a indiferença para com o irmão que sofre, não têm lugar no Reino de Deus. Quem insistir em conduzir a sua vida por esses critérios ficará à margem do Reino”.

Ter cuidado é a ação característica da realeza de Cristo como Pastor e como Rei. Tanto na primeira leitura, como no evangelho, este verbo emerge. Antes de mais, trata-se de um modo de amar típico de Deus. Como já dissemos, Deus exerce a sua realeza cuidando de nós. Também nós podemos experimentar a sua realeza, se o amarmos nos nossos irmãos, como ele nos amou. Amar os irmãos à sua maneira significa cuidar uns dos outros, tal como ele cuida de nós. O contexto histórico que estamos a viver convida-nos ainda mais a acolher a boa nova de um Deus que vem à nossa procura e cuida de nós, como um irmão. A sua realeza dá-nos esta forma especial de amar: cuidar.