Joy of the Gospel

SE ME AMARDAES GUARDAREIS OS MEUS MANDAMENTOS (Jo 14,15)

VI Domingo da Páscoa – Ano A

At 8, 5-8.14-17; 1Pd 3, 15-18; Jo 14, 15-21

Mais uma vez, a liturgia, neste sexto domingo de Páscoa, nos presenta a continuação do “discurso de despedida” de Jesus. Ele que, no domingo passado, nos consolou, pedindo que não se turbasse o nosso coração e que tivéssemos fé em Deus e também fé n’Ele (cfr. Jo 14,1), hoje, nos coloca uma condição: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos; e Eu pedirei ao Pai, que vos dará outro Paráclito, para estar sempre convosco”.

Apesar de ser uma condição, o Senhor começa exprimindo-se com palavras muito delicadas e respeitosas: “se – vós – me amardes”. É um ponto de partida tão humilde, tão livre, tão confiante, tão sincero! Não é uma ordem – Observai! –, não uma imposição, mas sim uma proposição, uma sugestão: se os seus discípulos o amam, entrarão num novo mundo. E muitos de nós sabem disso por experiência própria: quando se ama, o rosto se irradia de alegria, o amargo se torna doce, vemos a beleza em todos os cantos da feiura, a subida se torna descida, o sal se torna açúcar na nossa boca, as nossas ações são carregadas de força e calor, começamos a enxergar o possível no impossível, etc. A vida floresce como uma flor espontânea …

Caríssimos, nós vivemos do amor desde o nosso primeiro ao último suspiro. Amado, o homem se sente protegido e aceite. Amando, ele se sente parte e encontra um sentido na vida em se oferecer, porque o amor não pode permanecer fechado em seu coração, amor permeia o cotidiano. O amor para com o próximo nos impele ao compromisso, enquanto para com Deus, ele se manifesta na consideração que se tem dos seus mandamentos.

“Guardareis os meus mandamentos”. Diria Jesus: “‘Meus’ não tanto porque foram prescritos por Mim, mas porque eles resumem a Mim e toda a minha vida. Portanto, se me amais, vivereis como Eu!”. Se amarmos Cristo, Ele habitará nos nossos pensamentos, ações e palavras, e, através do ‘Paráclito’ qual ‘Espírito da verdade’, os transforma. E começaremos a sentir aquele sabor de liberdade, paz, perdão, festas, abraços, bons relacionamentos, a beleza do Seu viver.

Viveremos a Sua boa, bela e bem-aventurada vida, tudo porque o amor torna-se o fundamento das nossas vidas. Como escrevia Sant’Agostinho: “Ama e faça o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos” (Homilias sobre a 1ª Epístola de João). Pois, se amarmos, não poderemos magoar, trair, roubar, violar, zombar. Se amarmos, só poderemos socorrer, acolher, proteger, bendizer, etc., portanto, estarmos “prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança” (1Pd 3,15). E isto, para uma lei interna, é muito mais exigente do que qualquer lei externa. Amemos e vamos aonde o coração nos levar!

Pois, numa espécie de monotonia persuasiva e comovente sobre a presença do Espírito e também de Si, Jesus repete várias vezes no Evangelho: ‘está em vós’, ‘voltarei para junto vós’, ‘estou no meu Pai’, ‘vós estais em mim’, ‘Eu estou em vós’. Através de uma palavra de apenas duas letras “em”, Ele, assim, relata o seu sonho de comunhão. Eu no Pai, vós em mim, eu em vós:
dentro, imersos, unidos, íntimos.

Caríssimos, Jesus procura espaços nos vossos e nossos corações. Somos ramos unidos à videira mãe, gotas no grande mar do mundo, raios do sol que brilha no grande braseiro da vida, respiro no Seu vento. E ao dizer, “não vos deixarei órfãos”, Ele queria nos afiançar o seguinte: “vós não os sois agora e nunca os sereis: jamais órfãos, jamais abandonados, jamais separados”. A presença de Cristo não deve ser conquistada, não deve ser alcançada, pois Ele não se encontra longe, como diz São Pedro, “morreu segundo a carne, mas voltou à vida pelo Espírito” (1Pd 3,18). Ele, através do Espírito, “habita connosco e está em nós”, é indissolúvel, uma fonte que nunca secará, e basta a nossa fé n’Ele.

Interessante, que muitos entendem a fé como uma tensão em direção a um objeto de desejo nunca alcançado ou como a recordação de um precioso tempo perdido. Mas Jesus inverte essa conceção ou ideia, permitindo-nos ter a visão da fé na Epistola aos Hebreus 11,1: “A fé é o firme fundamento daquilo que se espera, e a prova de realidades que não se veem”. Por isso, a nossa fé se fundamenta n’Ele que é plenitude, não no vazio; no presente, não no passado; no amor por uma pessoa viva e não na nostalgia ou saudade. Já estamos em Deus, como uma criança no ventre da sua mãe. E se a mesma criança não pode vê-la, existem mil e um sinais da sua presença que a envolve, aquece, nutre e acalenta.

E, finalmente, o objetivo de Jesus é “Eu vivo e vós vivereis”: fazer viver é a vocação de Deus. De facto, “a glória de Deus é o homem vivente” (S. Ireneu). É muito bom saber que a prova última da bondade da fé reside na sua capacidade de transmitir e salvaguardar a humanidade, dando-lhe vida, a plenitude da vida, e daí, nos fazer atravessar para Deus. Por isso, não pense duas vezes, “ama e faça o que quiseres”!

Padre José da Cruz Botelho Pereira