REALMENTE PREPARADOS?
(leia: Sabedoria 9,13-18; Filémon 1,9-10.12-17; Lucas 14,25-33)
Jesus prossegue, «de modo decidido» (Lc 9,51) o caminho para Jerusalém, juntamente com seus discípulos. Na cidade santa, «que mata os profetas», o Mestre consumará a sua missão. A um certo ponto do caminho, dá-se conta que o segue uma grande multidão. Na Palestina, aquele era um tempo difícil para a maioria da gente: vivia-se sob a dura dominação dos romanos, os impostos eram pesados, os governantes corruptos, os líderes religiosos rígidos… Tempos de crise como esse favorecem o surgir de profetas, pregadores, visionários, revolucionários… prometendo mudanças radicais, caminhos novos, milagres fáceis. E atraindo multidões.
Não estranha que muita gente siga o Mestre de Nazaré. Suas palavras e gestos são cheios de compaixão e esperança. Mas ele não anda em busca de adeptos, aplausos, holofotes, multidões. A sua é uma outra via. Sabe que em Jerusalém enfrentará a rejeição feroz dos poderosos. Se alguém o quer seguir, deve estar pronto a correr riscos. Decididamente, Jesus não é um bom ‘mobilizador de massas’… Em vez de prometer facilidades, milagres baratos…, o Mestre desafia! Para que voemos alto! Coloca-nos condições exigentes para o seguir.
Primeira condição: «Se alguém vem a mim e não me ama mais que ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, (…) e até à própria vida, não pode ser meu discípulo». Jesus joga tudo sobre o amor. Se o encontramos de verdade, todos os nossos afectos ficam redimensionados. Não deixamos de amar aqueles que nos são caros. Mas abrimo-nos a um Amor Maior, que nos faz capazes de «amar mais». Amando Jesus e como Jesus, podemos entender a verdadeira dimensão do amor: a que amplia o coração, e nos faz ir além do círculo restrito (às vezes cómodo, às vezes viciado)
da família e dos amigos próximos. Para amarmos com a medida de Deus: a todas as suas filhas e filhos!
Segunda condição: «Quem não toma a sua cruz para me seguir, não pode ser meu discípulo». Não é um apelo a levar os pesos e dores da vida com resignação. No contexto político da Palestina, os ouvintes de Jesus sabiam que a cruz era o mais humilhante e cruel castigo dos dominadores romanos: nela acabavam criminosos, revolucionários e todos os que ameaçavam a ordem estabelecida! O Mestre adverte-nos: para segui-lo é preciso estar preparado para ser mal entendido, rejeitado, crucificado.
Ser cristão não é apenas seguir umas ‘práticas religiosas’, dizer umas quantas orações. Seguir Jesus é igual a «tomar a cruz»: ser coerente com o estilo de vida que ele viveu e anunciou, questionando tradições, injustiças, discriminações, exclusões. E aceitar o risco da rejeição ou marginalização por parte daqueles que não vêm o mundo e a vida segundo a lógica do Mestre de Nazaré. (E, por vezes, eles estão entre os nossos familiares!…) «Tomar a cruz» é correr o risco de ser incómodo, uma ‘pedra no sapato’ de quem vive cómodo na sua auto-suficiência. «Tomar a cruz» é treinar-se a «amar mais» quem é «amado menos»: os ‘últimos’ da sociedade.
Terceira condição: «Quem não renuncia aos seus haveres, não pode ser meu discípulo». O ser humano não aceita a sua vulnerabilidade. Então, enche-se de bens, haveres, títulos de importância, que aparentemente lhe dão segurança. E começa a acumular para si, pensando que quanto mais tem, mais vive. Começa a pôr a confiança da sua vida nos bens, não em Deus. Fecha-se no seu pequeno círculo familiar e de amigos; tornando-se incapaz de alargar o coração, de ser dom gratuito.
Jesus, o homem mais livre que já passou por esta terra, liberta-nos da necessidade de ‘ter’ coisas para ‘ser’. Ele
nos acolhe e nos ama como somos. E nos chama a ser livres de nós mesmos, colocando a nossa confiança em Deus, sendo capazes de amar e servir como ele amou e serviu. É isso que nos faz seus discípulos.
Estou pronto a seguir o Mestre? Não. ‘Apronto-me’ cada dia. Escutando o vibrar do seu coração a cada nova aurora: para me deixar ser «mais amado(a)» por ele; aprendendo com ele a «amar mais». Tomando a cruz de ser pai ou mãe, marido ou esposa, cidadão ou governante, pastor ou fiel… uma cruz feita de responsabilidade, espírito de serviço, honestidade, generosidade, sonho de fraternidade. ‘Apronto-me’ a cada amanhecer, revestindo-me de humildade para aprender, em cada jornada, a sabedoria do Evangelho…
Filémon, um nobre senhor, aprendeu a ser discípulo do único verdadeiro Senhor, Jesus (que a todos faz livres), quando foi convidado pelo apóstolo Paulo a acolher o seu antigo escravo, Onésimo, não mais como ‘servo’, mas como ‘irmão’. (Não deixe de ler a emocionante breve carta de Paulo a Filémon, segunda leitura deste domingo!)
«Senhor, quem pode conhecer a tua vontade, se não lhe deres sabedoria, e não enviares o teu santo Espírito lá do Céu? Assim se endireitam as veredas dos que vivem na terra, os homens aprendem o que é do teu agrado e pela sabedoria se salvam» (Sab 9,17-18: primeira leitura de hoje).