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O verdadeiro discipulado

COMENTÁRIO BÍBLICO-TEOLÓGICO AO EVANGELHO DO XXI DOMINGO, ANO C (LUCAS 13, 22-30)
Padre José Joaquim, missionário comboniano (Moçambique)

O verdadeiro discipulado
O evangelho deste XXI Domingo do Tempo Comum, Ano C, apresenta-nos Jesus a caminho de Jerusalém, o lugar da sua paixão, morte e ressurreição. Enquanto caminha, Ele ensina pelas aldeias e cidades por onde passava (v.22). Certo dia, enquanto ensinava numa aldeia, alguém se aproxima dele e lhe pergunta: Senhor, será verdade que são poucos os que se salvam? (v.23). E Jesus responde exortando os seus ouvintes a procurarem entrar pela porta estreita, porque algum dia, a porta será fechada e ninguém poderá entrar mais, e aqueles que pretenderem entrar, serão considerados desconhecidos (vv. 24-25). E mesmo se, insistindo, produzirem provas de que são homens e mulheres de Igreja, ser-lhes-á dito: “Não sei donde sois” (vv. 26-29). E Jesus concluiu o seu discurso, dizendo: “Há últimos que serão os primeiros, e há primeiros que serão os últimos” (v.30).
Para a nossa meditação sobre este evangelho, os seguintes pontos podem ser úteis:
I. Jesus nosso modelo missionário: dois verbos gregos descrevem o espírito missionário de Jesus no versículo 22: o primeiro é DIAPOREUOMAI, que significa “atravessar lugares”, “percorrer distâncias”; o segundo é DIDASKO, que quer dizer, “ensinar”, “instruir alguém”, e no nosso caso, trata-se de instruir alguém nas cosas de Deus. Jesus caminha rumo a um destino (Jerusalém), mas, pelo caminho, aproveita ir ensinando a Palavra de Deus às pessoas. Um bom cristão, que põe em prática a sua vocação missionária, aproveita as oportunidades (refeições, passeio, trabalho, machamba, viagem, encontro familiar, etc.) para falar da Palavra de Deus. Todas as circunstâncias são úteis e oportunas para semear a Palavra de Deus no coração das pessoas. O anúncio da Palavra de Deus não deve ser feito apenas na Igreja, na missa, na catequese, nas reuniões dos núcleos, nas comunidades e ministérios. O cristão, discípulo missionário a exemplo do Mestre Jesus, deve anunciar a Palavra a tempo e fora de tempo (2 Tim 4, 2).

II. Jesus admite que lhe coloquem questões sobre o conteúdo da sua pregação, isto é, a salvação (ver a pergunta no v.23: será verdade que os que se salvam são poucos?). O termo grego usado é SOZO, e quer dizer “salvar”, “salvar-se”. A missão de Jesus reside na salvação das pessoas, Ele aceita que essa sua missão seja questionada. Essa atitude de Jesus é modelo para a Igreja, no seu diálogo com o mundo, hoje. Os cristãos devem aceitar que a sua fé seja questionada e eles devem saber apresentar de uma maneira clara e convincente a razão da sua fé. A Igreja deve aceitar de ser questionada relativamente ao seu estilo de vida, à sua gestão dos fundos que recolhe, à conduta moral dos seus filhos, às divisões entre os cristãos, à sua falta de profetismo em alguns contextos, etc. A igreja não deve ter medo de ser questionada e confrontada. Convém recordarmos o antigo ditado: “quem nada deve, nada teme.” Os cristãos devem aprender de Jesus a aceitar de ser questionados e tomarem essa ocasião para expor o conteúdo do seu anúncio, a razão do seu ser cristãos.

III. A porta estreita é Jesus: no Evangelho deste domingo Jesus fala da porta estreita como se se referisse a uma porta material, mas, afinal, a porta estreita (em Grego STENÉ THURÁ) é Ele mesmo, a sua pessoa, a sua vida, o seu modo de ser e estar, o seu modo de servir a Deus, enfim, a sua obediência incondicional ao Pai. Ele é a porta estreita porque não é fácil abraçar os seus ideais. Daí que enquanto tivermos vida e saúde devemos entrar pela porta estreita, isto é, devemos abraçar a vida de Jesus, fazendo a sua vontade, pois se deixarmos para depois, poderá ser tarde demais (ver vv.23 e 24, e ler também João 10, 9).

IV. Conhecer Jesus neste mundo não é garantia de poder entrar céu: O versículo 26 fala dos que após a morte dirão: Senhor, nós conhecemos-te, fomos batizados em teu nome, servimos-te, Eramos assíduos aos sacramentos, etc., mas o Senhor lhes dirá: nãos sei donde sois. Esta é uma descrição da realidade dos que embora sejam membros da Igreja e cumpram com algumas regras religiosas, não entrarão no céu, pois nunca se converteram, são cristãos hipócritas, não anunciam a Palavra de Deus, não amam os outros, não perdoam, vivem no adultério e na fornicação, se envolvem em actos de corrupção, roubam, etc. Esses cristãos, embora pratiquem a sua religião, se não se arrependerem, não entrarão no céu, Jesus lhes dirá: Não vos conheço. E expressão grega +e muito forte, diz o seguinte: UK OIDA HYMÃS, PÓTHEN ÉSTE, que pode ser traduzida da seguinte maneira: NÃO VOS CONHEÇO, NEM (SEI) DONDE SOIS! É uma rejeição forte do Senhor a todo aquele que não segue o caminho do amor, do perdão e da santidade.

V. Afinal, há primeiros que serão últimos? Jesus afirma que há primeiros que serão últimos, quer dizer, continuando o argumento anterior, há primeiros neste mundo (cristãos batizados, com a Primeira Comunhão, a Confirmação, o Matrimónio, o sacramento da Ordem e outras formas de consagração), que não entrarão na vida eterna. E há aqueles que são desprezados, desvalorizados e subestimados, que por serem homens e mulheres de boa vontade, serão admitidos ao banquete de Deus. Esta afirmação do Senhor desafia-nos a entregar a nossa vida ao seu serviço. O Papa Francisco em setembro de 2021 apresentava muito bem a atitude daquele que deseja entrar pela porta estreita para entrar no Reino de Deus: “O valor de uma pessoa não depende mais do papel que ela desempenha, do sucesso que tem, do trabalho que faz, do dinheiro no banco; não, não, não, não depende disso; a grandeza e o sucesso, aos olhos de Deus, têm um padrão, uma medida diferente: são medidos no serviço. Não no que se tem, mas no que se dá. Quer se sobressair? Sirva. Este é o caminho”.
Boa reflexão e boa caminhada com Deus!