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‘DITO ISTO, ELEVOU-SE À VISTA DELES E UMA NUVÉM SUBTRAIU-O A SEUS OLHOS’ (Act 1,9)

Pe. Dr. José Brinco
Professor de Teologia Fundamental
Director do Centro de Investigação Bento XVI.
CATUMBELA-BENGUELA

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR – ANO C

29 Maio 2022
‘Dito isto, elevou-se à vista deles e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos’ (Act. 1, 9)

A Solenidade da Ascensão de Jesus que hoje celebramos sugere que Jesus, depois de ter percorrido o caminho da doação e entrega da sua própria vida (cf. Jo 10, 11), entrou na vida definitiva da comunhão com Deus, a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo caminho com Jesus (cf. Mt 10, 39).
Desde o Domingo passado (22) até hoje (29), a Igreja universal, em caminhada sinodal, está convidada a comemorar a Semana ‘Laudato si’, o sétimo aniversário da histórica Carta Encíclica do Papa Francisco sobre o ‘cuidado’ e a ‘construção’ da mãe terra, a nossa comum, com o fim de descobrir a ‘circularidade’ existente entre o clamor da terra oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do parto» (Rm 8, 22) e os gemidos dos pobres abandonados. (cf. Laudato si, 2, 10,16; cf. tb Querida Amazônia, 8, 25).
A nível da Igreja em Angola, realçamos a realização da XIII Semana Nacional de
Liturgia que aconteceu na Diocese de MBanza-Kongo, sob a égide da CEAST, na
Província do Cunene, a ‘Páscoa’ de D. Fernando Guimarães Kevanu (18 de Maio de 2022), primeiro Bispo da Diocese de Ondjiva (1988-2012), ‘o grão de mostarda’ (Lc 13, 1819) semeado nas terras do Cunene e na Eucarística, Mariana e Missionária Diocese de Benguela, a continuação da fundação da Cidade de São Filipe, há 405 anos e a memória da ‘partida para a eternidade’ do primeiro Bispo da Diocese, D. Óscar Lino Lopes Fernandes Braga (26 de Maio de 2020). ‘Se o grão de trigo, lançado à terra não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem se ama a sim mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna (cf. Jo 12, 24-25). Por isso, ‘povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com brados de alegria, cantai os hinos mais belos, porque o Senhor, o Altíssimo, o Rei soberano de toda a terra, subiu entre aclamações, subiu ao som da trombeta. (…), está sentado no seu trono sagrado’ (cf. Salmo 46 (47).
Jesus «subiu ao Céu e está sentado à direita do Pai», assim confessamos no Credo apostólico. O que significa, então, contemplar Jesus sentado à direita do Pai? Que diferença existe entre ‘Ascensão’ e ‘Assunção’? A palavra “assunção” refere-se a Maria que “foi assunta”, “foi assumida”, “foi tomada”, “foi levada” por Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, 966). ‘Terminando o curso da sua vida terrena — diz o Concílio Vaticano II — Maria foi levada à glória celeste em corpo e alma, e exaltada pelo Senhor como Rainha do Universo, para que se parecesse mais com o seu Filho, Senhor dos Senhores (cf. Ap 19, 16) e vencedor do pecado e da morte’(cf. Lumen gentium, 59). Já a palavra “ascensão” diz respeito única e exclusivamente a Jesus Cristo, pois significa “subida”. Jesus ‘ascendeu’ ao Céu, ‘subiu’ ao Céu, por Si mesmo, pelo Seu próprio poder como Filho de Deus. Qual é o significado teológico da festa da Ascensão? A Liturgia da Palavra deste domingo nos oferece uma luz para compreender o carácter misterioso deste acontecimento.
‘Enquanto os abençoava, separou-se deles e foi arrebatado para o céu e sentou-se à direita de Deus’ (cf. Act. 24, 50; cf. Mc. 16, 19). O livro dos Actos dos Apóstolos, além da expressão ‘ser arrebatado’ usa também ‘elevar-se à vista deles’ (cf. 1, 9). Assim, ‘ser arrebatado’, aqui, não é o mesmo ser assumida”, tomada”, ou levado. Por isso, segundo Lucas, Jesus, durante a Ascensão, realiza o gesto sacerdotal da bênção e sem dúvida os discípulos manifestam a sua fé com a prostração, ajoelham-se inclinando a cabeça. Jesus é o único e eterno Sacerdote que, com a sua paixão, atravessou a morte e o sepulcro, ressuscitou e subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai, de onde intercede para sempre a nosso favor (cf. Hb 9, 24). Jesus sabe bem que seu «êxodo» desta vida, o caminho que o leva à glória do Pai, Cidade santa, passa pela Cruz, através da obediência ao desígnio divino de amor pela humanidade. ‘A elevação na cruz significa e anuncia a elevação da ascensão aos céus’ (cf. Catecismo da Igreja Católica, 662). Prova disto é que, como vimos nas aparições, o corpo do Ressuscitado apresenta os vestígios da Sua Paixão (cf. Jo, 20, 20. 27). Assim, também nós devemos saber claramente que, na nossa vida cristã, a entrada na glória de Deus exige a fidelidade diária à sua vontade, mesmo quando isso requer sacrifício da nossa própria vida.
O acontecimento da Ascensão do Senhor é descrito não como uma viagem turística para o alto, mas sim como uma acção do poder de Deus, que introduz Jesus no espaço da proximidade divina (cf. Act, 1, 1-11). Pela sua paixão, morte e ressurreição, Jesus entra na comunhão de vida e de poder com o Deus vivo, na situação de superioridade de Deus sobre todo o espaço. ‘Cristo entrou com sumo Sacerdote no verdadeiro santuário, no próprio céu para se oferecer a Deus, de uma vez para sempre, em nosso favor (cf. Hb 9, 24) Por isso, o uso do verbo ‘elevar’ refere-se à tomada de posse da realeza. Portanto, a Ascensão de Cristo significa a tomada de posse do Filho do homem crucificado e ressuscitado na realeza de Deus sobre o mundo. Jesus não ‘partiu’, mas, em virtude do próprio poder de Deus, está agora presente junto de nós e para nós’ (cf. RATZINGER/BENTO XVI, Jesus de Nazaré, Da entrada em Jerusalém à Ressurreição, 229). ‘Eu vou, mas voltarei a vós’ (cf. Jo 14, 28). O seu ‘partir’ é precisamente um ‘vir’, um modo novo de proximidade, de presença permanente. Jesus não se encontra num lugar concreto do mundo, como antes da ‘ascensão’; no seu poder, que supera todo e qualquer espaço, está presente junto de todos, podendo ser invocado por todos, através de toda a história em todos os lugares’ (cf. RATZINGER/BENTO XVI, Jesus de Nazaré, Da entrada em Jerusalém à Ressurreição, 231). Quais são as consequências da Ascensão para a vida da Igreja ‘em permanente saída missionária’?
‘Eles, partindo, foram pregar por toda a terra; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam’ (cf. Mc. 16, 20). Durante o itinerário sinodal da Igreja, iniciado com a ‘subida’ do Ressuscitado aos céus, todos os baptizados não podem ficar a olhar para o céu, numa passividade alienante, mas têm de ir para o meio dos homens continuar o projecto de Jesus (cf. Act. 1, 11). São todos discípulos missionários (cf. Documento preparatório do Sínodo 2023, 30 ). Os discípulos devem caminhar juntos (‘syn– odos’), de mãos dadas com os irmãos – membros do mesmo “corpo” – e em comunhão com Cristo, a “cabeça” desse “corpo” (cf. Ef. 1, 23). O ‘caminhar juntos” é o que mais implementa e manifesta a natureza da Igreja como Povo de Deus peregrino e missionário, na medida em que permite à Igreja anunciar o Evangelho, em conformidade com a missão que lhe foi confiada (cf. Documento preparatório do Sínodo 2023, 1, 2 ).
Ninguém se salva sozinho, só é possível salvar-nos juntos» (Fratelli Tutti, 32).
Assim, São Lucas afirma que os Apóstolos, depois de terem visto Jesus subir ao Céu, voltaram ‘juntos’ para Jerusalém ‘com grande júbilo. E permaneciam no templo, ‘no mesmo lugar’ (cf. Act. 2, 1) louvando e bendizendo a Deus’ (cf. Lc. 24, 52-53). O evangelista sublinha a profunda alegria dos Apóstolos. Isto parece-nos um pouco estranho. Em geral, quando nos separamos dos nossos familiares, dos nossos amigos, devido a uma partida definitiva e sobretudo por causa da morte, apodera-se de nós uma tristeza natural, porque já não veremos o seu rosto, nem ouviremos a sua voz, já não poderemos beneficiar do seu carinho, da sua presença. Para os discípulos de Jesus acontece o contrário, precisamente porque, com o olhar da fé, eles compreendem que, não obstante tenha sido subtraído aos seus olhos, Jesus permanece para sempre com eles, não os abandona e, na glória do Pai, sustém-nos, orienta-os e intercede por eles: ‘sereis baptizados no Espírito Santo (…), recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas (cf. Act. 1, 5. 8)
A Ascensão é o último acto da nossa libertação do peso do pecado. Por isso, os discípulos, quando viram o Mestre levantar-se da terra e elevar-se para o alto, não foram tomados pelo desconforto, mas sentiram uma grande alegria e sentiram-se encorajados a proclamar a vitória de Cristo sobre a morte (cf. Mc 16,20). ‘A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria’ (cf. Evangelii Gaudium, 1). A alegria dos discípulos depois da ‘ascensão’ corrige a imagem que temos dela. A ‘ascensão’ não é a partida para uma zona distante do universo, mas a proximidade permanente que os discípulos sentem tão fortemente que daí lhes vem uma alegria duradoura’. (Cf. RATZINGER/BENTO XVI, Jesus de Nazaré, Da entrada em Jerusalém à Ressurreição, 228).
A causa da sua alegria está no facto de que aquilo que tinha acontecido não era na verdade uma separação, uma ausência permanente do Senhor: aliás, eles já tinham a certeza de que o Crucificado-Ressuscitado estava vivo, e nele as portas de Deus, as portas da vida eterna, foram abertas para sempre à humanidade. Por outras palavras, a sua Ascensão não comportava a sua ausência temporária do mundo, mas principalmente inaugurava a nova, definitiva e insuprimível forma da sua presença, em virtude da sua participação no poder régio de Deus. Caberá precisamente a eles, aos discípulos que se tornaram intrépidos graças ao poder do Espírito Santo, tornar perceptível a sua presença mediante o testemunho, a pregação e o compromisso missionário.
Queridos irmãos e irmãs, a Ascensão não indica, como já dissemos, a ausência de Jesus, mas diz-nos que Ele está vivo no meio de nós de modo novo; já não se encontra num lugar específico do mundo, como era antes da Ascensão; agora está no Senhorio de Deus, presente em cada espaço e tempo, próximo de cada um de nós (cf. Gál 2, 20-21). O evento da Ascensão marca o fim da missão terrena de Jesus, a ‘presenção física’ de Deus no meio do seu povo, porquanto Ele passa deste mundo para o Pai e é elevado à sua direita. Mas com o Pentecostes começa o tempo do itinerário sinodal da Igreja, animado pela presença do Espírito Santo, a ‘presença pneumática’ do Senhor. ‘Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus que vos foi arrebatado para o Céu virá da mesma maneira, como agora o vistes partir para o Céu’ (Cf. Act. 1, 11).
A Ascensão de Jesus inaugura nova situação caracterizada pela entrada da humanidade no céu (cf. Jo 14, 3; cf. tb. Compêndio, 132) e pela sua permanência entre nós de vários modos e, principalmente no modo sacramental, na Sagrada Eucaristia. O acontecimento da Ascensão do Senhor assinala o cumprir-se da salvação, iniciada com a Encarnação. Ao ascender aos céus, Jesus não abandonou a humanidade, pelo contrário, assumiu consigo os homens na intimidade do Pai e assim revelou o destino final da nossa peregrinação terrena. Assim, desde o dia da Ascensão, a comunidade cristã progride no seu itinerário terreno rumo ao cumprimento das promessas messiânicas, alimentada pela Palavra de Deus e pelo Corpo e Sangue do seu Senhor. Esta é a condição da Igreja – recorda o Concílio Vaticano II – enquanto “continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha” (Lumen gentium, 8).
‘Creio em Jesus Cristo que subiu aos céus e está sentado à direita de Deus pai todo poderoso donde há de vir e julgar os vivos e os mortos’. O Senhor Jesus virá do mesmo modo que partiu para o Céu. A Igreja não nasceu e não vive para suprir à ausência do seu Senhor ‘desaparecido’, mas sobretudo encontra a razão do seu ser e da sua missão na presença permanente embora invisível de Jesus, uma presença que actua através do poder do seu Espírito. A Igreja não desempenha a função de preparar a vinda de um Jesus “ausente” mas, ao contrário, vive e age para proclamar a sua “presença gloriosa” de maneira histórica e existencial.
Por isso, Queridos irmãos e irmãs, enquanto o tempo é ainda tempo, animados pelo Espírito Santo, anunciemos, ‘com júbilo’, a paixão e morte do Senhor, proclamando, com o holocausto das nossas vidas, a glória e a vitória da Ressurreição de Cristo. Vós ‘ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e series minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo’ (cf. Act. 1, 8).

Amém