De Pe. Marcos Mubango a partir de Angola
Is 53,10-11; Hb 4,14-16; Mc 10, 35-45
EU VIM PARA SERVIR (Mc 10,45)
A liturgia da palavra deste XXIX Domingo do tempo comum, ano B, convida-nos a reflectirmos sobre a maneira como encaramos a autoridade que nos é confiada e apresenta-nos como modelo a imitar o próprio Jesus Cristo, que veio para servir e não para ser servido.
Na primeira leitura (Is 53,10-11), o Servo de YHWH, cuja missão cumpre-se no sofrimento, com valor expiatório, e numa entrega incondicional à Palavra, é identificado com a figura de Jesus, que deu a sua vida pela salvação de muitos.
Na segunda leitura (Hb 4,14-16), ao apresentar-nos Cristo como o Sumo-sacerdote que assume a nossa condição humana em tudo, excepto no pecado, o autor da carta aos Hebreus recorda-nos que a Sua glória está no amor e no serviço e não na ambição e no poder.
No texto evangélico (Mc 10,35-45), situado na terceira parte do evangelho segundo São Marcos (Mc 8,22-13,37), imediatamente depois do terceiro anúncio da Paixão, o evangelista, tal como acontece depois dos dois anteriores anúncios da paixão, mostra-nos gestos de incompreensão dos discípulos que, na voz dos filhos de Zebedeu, Tiago e João, pedem promoção e fazem-no de uma maneira pouco elegante: “queremos que nos faças o que te pedimos”. Parece mais uma ordem do que um pedido. Com esta atitude, contrariamente ao que Jesus acabava de anunciar, os filhos de Zebedeu revelam o interesse cego de fazer a própria vontade, de realizar os próprios interesses, de acordo com a lógica e o modo de pensar do mundo: “Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda”.
Jesus responde-lhes, primeiro, com uma constatação: “Vós não sabeis o que pedis!”. De facto, como filhos do seu tempo, com a cabeça feita pelo fermento dos fariseus e dos herodianos, os discípulos esperavam, convencidos, que Jesus vinha reconstituir o reino terreno de Jerusalém. Eles não conseguiam pensar que Jesus caminhava para a morte e para a cruz, apesar de o ter já dito abertamente pela terceira vez. Depois, Jesus coloca-lhes um desafio: “Podeis beber o cálice que eu vou beber? E receber o baptismo com que Eu vou ser baptizado?” O cálice e o baptismo de que Jesus está a falar é a sua própria morte pela qual Ele entrará na Sua glória; é o fazer-se servo de todos, o dar a própria vida para a salvação de muitos. Com este desafio, Jesus quer ver até que ponto os filhos de Zebedeu são capazes da dignidade a que aspiram.
Não obstante a resposta positiva e sincera de Tiago e João – “Podemos!” -, Jesus promete-lhes beber o mesmo cálice e receber o mesmo baptismo que o Seu, mas não lhes garante sentar-se à Sua direita e à Sua esquerda, lugar destinado àqueles para quem foi preparado. Das palavras de Jesus podemos entender que, sentar-se à sua direita e à sua esquerda não é concedido a quem quiser, como um favor, tal como pretendem os dois discípulos, mas a quem está preparado. Não há lugar para favoritismos de nenhuma espécie.
A reacção dos outros discípulos, face a essa tentativa de Tiago e João de lhes “passarem a perna” foi de indignação, não porque achassem sem sentido o pedido dos dois, mas porque, no fundo, cada um deles tinha as mesmas ambições. Então, Jesus colhe a ocasião para dar-lhes mais uma lição sobre a diferença entre a lógica do mundo e a lógica do reino prestes a ser estabelecido, no que concerne a autoridade: segundo a lógica do mundo, a autoridade é domínio, é poder; segundo a lógica do Reino, a autoridade é serviço aos outros. Portanto, entre os seguidores de Jesus, quem quer ser grande, terá que estar preparado para ser aquele que serve, e quem quer ser o primeiro, terá que estar preparado para assumir a condição mais baixa de serviço. O modelo é o próprio Filho do homem que veio não para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos.
A tentação do poder e das honras é tão antiga quanto actual. Ninguém se pode achar a salvo dela. Tal como entre os apóstolos, existem também hoje, na Igreja, formas graves de busca de posições e de poder de que o Papa Francisco não se cansa de denunciar: “O caminho do serviço é o antídoto mais eficaz contra a doença da busca dos primeiros lugares; é o remédio para os carreiristas, esta busca dos primeiros lugares, que contagia muitos contextos humanos e não poupa os cristãos, o povo de Deus, nem sequer a hierarquia eclesiástica. Portanto, como discípulos de Cristo, acolhemos este Evangelho como apelo à conversão, para testemunhar com coragem e generosidade uma Igreja que se inclina aos pés dos últimos, para os servir com amor e simplicidade. A Virgem Maria, que aderiu plena e humildemente à vontade de Deus, nos ajude a seguir com alegria Jesus no caminho do serviço, a via mestra que leva ao Céu” (Angelus, 21 de Outubro de 2018)
Que, neste mês das missões, a exemplo de Jesus Cristo, Nosso Senhor, o amor, a fraternidade e a prontidão para servir prevaleçam sobre o nosso desejo de ser superior, de dominar os demais e de ser servido.